Um estudo liderado por pesquisadoras brasileiras lança luz sobre uma relação muitas vezes ignorada: a proteção das Terras Indígenas não apenas conserva a floresta, mas também protege a saúde de milhões de pessoas. A pesquisa, publicada na revista Nature, analisou os primeiros vinte anos deste século em nove países amazônicos e concluiu que a demarcação legal desses territórios reduz doenças respiratórias ligadas às queimadas e diminui a incidência de infecções tropicais em cidades situadas a até 500 quilômetros de distância.

A análise combinou dados de saúde pública, desmatamento e poluição atmosférica em países como Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Suriname, Guiana Francesa e Guiana. Também foi feita uma avaliação comparativa na Mata Atlântica, que chegou a resultados semelhantes, reforçando que a integridade florestal tem reflexos diretos sobre a saúde humana em diferentes biomas.
Segundo o estudo, liderado por Julia Barreto do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), e por Paula Prist do Forests and Grassland Program da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), a legalização das Terras Indígenas reduz o número e a extensão dos incêndios, diminuindo a emissão de partículas finas (PM2.5). Essas partículas microscópicas são capazes de percorrer longas distâncias, penetrar nos pulmões, afetar o sistema cardiovascular e se acumular no sangue, elevando os riscos de doenças crônicas.
O impacto, contudo, não se restringe às doenças respiratórias. Ao cruzar informações sobre queimadas, florestas e indicadores de saúde, a equipe observou efeitos também sobre doenças infecciosas como malária, leishmaniose e hantavírus. A explicação está na dinâmica ecológica: ecossistemas equilibrados limitam a proliferação de vetores e reduzem o contato humano com patógenos.
Barreto destaca que a proteção dos territórios indígenas tem um efeito que vai muito além das comunidades locais: “As Terras Indígenas funcionam como uma barreira ecológica. Mesmo quem não vive nelas, mas em cidades vizinhas, se beneficia de ar mais limpo e menor circulação de doenças”.

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O estudo revela ainda um dado importante para a formulação de políticas públicas: municípios mais degradados dependem ainda mais das Terras Indígenas para mitigar os efeitos da devastação. Onde a cobertura florestal cai abaixo de 40%, a capacidade de compensação diminui drasticamente, tornando a situação quase irreversível para doenças infecciosas.
Entre os mecanismos identificados, está o papel das florestas em filtrar poluentes atmosféricos por meio da deposição seca, processo em que partículas ficam retidas na vegetação. Isso reforça que preservar territórios indígenas não é apenas uma questão de justiça histórica ou cultural, mas também de saúde pública.
A pesquisa também ressalta que a relação entre conservação e saúde é complexa, não linear e depende de variáveis como tamanho das áreas protegidas, densidade florestal e condições socioeconômicas das populações. Ainda assim, o padrão é claro: quanto maior a proteção das Terras Indígenas, melhor o resultado para a saúde coletiva.
Paula Prist sintetiza a mensagem central: “Mais floresta significa menos doença. A proteção legal dos territórios indígenas se traduz em benefícios tangíveis para milhões de pessoas que talvez nunca entrem em uma Terra Indígena, mas respiram o ar que ela ajuda a purificar”.
Além dos resultados, o estudo criou uma rede de colaboração científica envolvendo pesquisadores de todos os países amazônicos, com dados disponibilizados de forma aberta. Isso permite que outras equipes aprofundem análises locais e auxiliem na formulação de políticas públicas integradas, que considerem tanto a preservação ambiental quanto a saúde da população.
A mensagem final do trabalho é inequívoca: reconhecer e proteger as Terras Indígenas não é apenas um ato de reparação histórica ou conservação ambiental. É uma medida concreta de saúde pública, que salva vidas em escalas que vão do aldeamento mais isolado até os centros urbanos amazônicos.







































