Depois de mais de uma década de ausência, o Brasil voltou a recompor seus estoques públicos de arroz. O ato simbólico ocorreu em Pelotas (RS), onde produtores entregaram 540 toneladas do grão à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O gesto vai muito além da logística: trata-se de um marco de política agrícola e de segurança alimentar, num país que consome arroz diariamente em praticamente todos os lares.

O Rio Grande do Sul, que responde por cerca de 70% da produção nacional, é o epicentro dessa retomada. Edegar Pretto, presidente da Conab, destacou que a recomposição de estoques é uma medida de equilíbrio. De um lado, garante ao agricultor um preço justo, evitando perdas quando o mercado remunera abaixo do custo de produção. De outro, oferece ao consumidor a confiança de que o alimento essencial não vai faltar nem sofrer explosões de preço.
Uma política pública de dois lados
Na prática, a medida funciona como uma válvula de estabilidade. Quando o mercado paga pouco, a Conab compra parte da produção, assegurando renda ao produtor. Se, em outro momento, o preço disparar, o governo coloca arroz do estoque em circulação, aliviando a pressão sobre os consumidores.
Essa lógica ficou clara na entrevista concedida pelo presidente da estatal ao programa A Voz do Brasil. Segundo ele, a política de formação de estoques públicos é uma forma de o Estado atuar contra os extremos: proteger quem produz e, ao mesmo tempo, garantir acesso justo a quem compra o alimento no supermercado.
O novo ciclo de contratos de opção
Para viabilizar a medida, o governo lançou no ano passado contratos de opção de venda — um instrumento que permite ao agricultor vender sua produção à Conab a um preço previamente estabelecido. Foram oferecidas 500 mil toneladas, com preço 20% acima do mínimo. O volume contratado, no entanto, ficou em 91 mil toneladas, porque muitos produtores preferiram apostar no mercado naquele momento.
Neste ano, com mais clareza sobre os riscos de queda de preços, o cenário mudou. O governo federal destinou mais R$ 181 milhões para novos leilões, e a adesão foi maior. Até agora, a soma das contratações anteriores e das atuais já garante cerca de 200 mil toneladas para os estoques da Conab.
Esse montante, embora ainda distante da meta inicial, já representa um colchão estratégico importante. É a primeira vez em 11 anos que o país volta a ter reservas de arroz para regular o mercado.

O impacto da ausência de estoques
A ausência de estoques ao longo da última década trouxe consequências perceptíveis. Sem essa ferramenta, o mercado brasileiro ficou mais vulnerável a oscilações internacionais e a pressões de exportação. Além disso, houve um deslocamento estrutural: muitos agricultores migraram do cultivo de alimentos básicos, como arroz e feijão, para monoculturas de exportação, como a soja.
Essa mudança teve reflexo direto nos preços. Entre 2019 e 2022, enquanto a inflação geral acumulou cerca de 30%, a dos alimentos chegou a 57%. A comida pesou mais no bolso justamente porque não havia mecanismos de regulação de preços internos.
Com o retorno dos estoques, o governo espera criar condições para que agricultores mantenham áreas destinadas a culturas de abastecimento interno, reforçando a segurança alimentar nacional.
O olhar para o Rio Grande do Sul
A retomada dos estoques também tem uma dimensão regional. O Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do Brasil, foi severamente atingido pelas enchentes históricas de 2024. Muitas áreas férteis foram destruídas, exigindo esforço extra de recuperação. Ainda assim, o estado segue central na produção nacional e, portanto, na estratégia de abastecimento.
Segundo Pretto, nunca antes um estado brasileiro havia recebido tanta atenção federal em um contexto de tragédia climática. Além das ações emergenciais, a política de recomposição dos estoques surge como instrumento de socorro aos produtores gaúchos e de estabilidade para o país.
O arroz como símbolo
Mais do que números, o arroz é símbolo de soberania alimentar no Brasil. Presente diariamente na mesa de milhões de famílias, ele sintetiza a ligação entre o campo e a cidade. Ao recompor os estoques públicos, o país não apenas garante segurança ao consumidor, mas envia também uma mensagem política: a de que alimentos essenciais precisam ser tratados como questão de Estado.
Num cenário global de incertezas, com choques climáticos e instabilidades nos mercados agrícolas, essa medida recoloca o Brasil em uma posição mais sólida para enfrentar crises futuras.
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