Três mulheres em missão climática decidiram cruzar o Brasil antes que o mundo se reunisse em Belém para a COP30. Janja Lula da Silva, Jurema Werneck e Denise Dora, as Enviadas Especiais da conferência nos temas Mulheres, Igualdade Racial e Periferias e Direitos Humanos e Transição Justa, criaram o projeto “Vozes dos Biomas” — uma iniciativa que percorreu os principais ecossistemas brasileiros para ouvir, registrar e traduzir as demandas das populações tradicionais e da sociedade civil em cartas destinadas aos negociadores da cúpula do clima.

Mais do que um exercício de escuta, a iniciativa se tornou um gesto político: o reconhecimento de que as soluções para a crise climática global começam com quem vive os efeitos das mudanças no cotidiano dos territórios.
Uma jornada de escuta e representação
Entre agosto e outubro de 2025, as três Enviadas realizaram plenárias e oficinas presenciais nos seis principais biomas do país — Amazônia, Mata Atlântica, Pampa, Caatinga, Pantanal e Cerrado. No total, cerca de 650 pessoas foram ouvidas, a maioria mulheres representando comunidades, coletivos, movimentos sociais e organizações locais.
Em Manaus (AM), as discussões giraram em torno da defesa dos povos da floresta e da bioeconomia de base comunitária. No Rio de Janeiro (RJ), as vozes da Mata Atlântica denunciaram a perda acelerada de biodiversidade e a exclusão de comunidades periféricas das políticas ambientais. Em Porto Alegre (RS), o Pampa trouxe à tona os impactos do agronegócio intensivo e as ameaças à agricultura familiar.
A escuta seguiu em Caruaru (PE), durante a Caatinga Climate Week, onde lideranças sertanejas falaram sobre convivência com a seca e transição energética justa. Em Campo Grande (MS), a oficina no Universidade Federal de Mato Grosso reuniu representantes do Pantanal, que relataram o avanço do desmatamento e das queimadas. Por fim, em Brasília (DF), o ciclo se encerrou com o bioma Cerrado, reafirmando o papel do coração do Brasil na regulação climática continental.

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Da escuta à incidência política
A metodologia do “Vozes dos Biomas” teve como base a escuta qualificada, entendida como ferramenta política e pedagógica. Cada oficina começava com um painel de lideranças locais, seguido de um momento de escuta guiada pelas Enviadas, que se revezavam entre os grupos, propondo reflexões sobre igualdade de gênero, justiça racial, direitos humanos e transição justa.
Esse formato colaborativo permitiu construir uma narrativa múltipla, na qual cada bioma expressou suas dores e soluções — um retrato das diversas formas de resistência que florescem no território brasileiro.
O resultado desse processo coletivo foi a elaboração de cartas temáticas, que reúnem os principais pontos de urgência e proposição das comunidades. Esses documentos serão apresentados na Zona Azul da COP30, espaço oficial de negociações entre governos e representantes da sociedade civil, como forma de garantir que a voz dos territórios ecoe no centro das decisões internacionais.
Conexão com as Cartas da Presidência
As Cartas dos Biomas dialogam diretamente com as Cartas da Presidência, produzidas pelo embaixador André Corrêa do Lago, presidente designado da COP30. A integração entre os dois conjuntos de documentos é simbólica: ao colocar lado a lado a diplomacia institucional e a diplomacia dos povos, o “Vozes dos Biomas” amplia o alcance político e simbólico da sociedade civil brasileira na conferência.
Para as Enviadas, esse processo representa uma nova forma de governança participativa, em que a escuta das populações locais é tratada como parte legítima da formulação de políticas climáticas. A iniciativa também reforça o papel das mulheres como mediadoras e tradutoras de saberes, conectando o cotidiano das comunidades à agenda global do clima.
Um país de múltiplos Brasis climáticos
Ao percorrer as diferentes paisagens do país, o projeto revelou a complexidade e a pluralidade do Brasil climático. Mostrou que não há uma única “crise ambiental”, mas muitas — e que cada bioma guarda saberes ancestrais e soluções específicas para lidar com ela.
Na Amazônia, o desafio é proteger os povos indígenas e conter o desmatamento. Na Caatinga, conviver com a escassez hídrica sem comprometer a produção de alimentos. No Pantanal, enfrentar os incêndios e a perda de fauna. No Cerrado, frear o avanço das monoculturas. Na Mata Atlântica, restaurar o que restou da floresta. E no Pampa, preservar a diversidade dos campos e das comunidades que os habitam.
Vozes que ecoam na COP30
Ao chegar a Belém, o “Vozes dos Biomas” leva muito mais do que relatórios — leva narrativas vivas. As falas, experiências e esperanças reunidas ao longo dos encontros formam um mosaico da sociedade civil brasileira diante da emergência climática.
A mensagem é clara: não há justiça climática sem justiça social. E essa justiça só será possível se as vozes dos territórios forem ouvidas e respeitadas nas decisões que moldarão o futuro do planeta.






































