A 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em Bonn, na Alemanha, deveria ter sido um ponto de inflexão no caminho até a COP30. Em vez disso, revelou-se um campo minado diplomático, marcado por bloqueios orquestrados, omissões cínicas e táticas de sabotagem lideradas pelos países do Norte Global.


Omissões dos países do Norte Global
O início dos trabalhos foi adiado devido à recusa de blocos como União Europeia (UE), Umbrella Group e Environmental Integrity Group (EIG) em aceitar itens de pauta propostos pelo Grupo dos 77 e China (G77 + China), que buscavam discutir compromissos fundamentais como financiamento climático e meios de implementação para o Sul Global. A insistência dos países desenvolvidos em manter o status quo é, segundo observadores, uma tentativa deliberada de evitar qualquer responsabilização histórica.
“Soluções” perigosas
Em um momento em que novos compromissos nacionais (NDCs) estão prestes a ser entregues, questões como financiamento para adaptação, equidade e apoio concreto aos países vulneráveis continuam sem solução. Em seu lugar, surgem “soluções” perigosas como mercados de carbono, compensações e tecnofixes, que priorizam os interesses das grandes corporações poluidoras em detrimento das populações afetadas.
Para Pang Delgra, do Asian Peoples’ Movement for Debt and Development, “as negociações sobre adaptação estão paralisadas há anos. O Fundo de Adaptação, em 16 anos, recebeu apenas US$ 1 bilhão. Enquanto isso, nossas comunidades enfrentam furacões anuais, perdas de colheitas, colapsos agrícolas e deslocamentos em massa”.
Negligência financeira dos países ricos
A realidade no Sul Global é de crise humanitária agravada pela negligência financeira dos países ricos. O resultado disso é um ciclo de danos permanentes. Sem financiamento público urgente e baseado em subsídios, não há transição possível. “Não estamos sendo apenas ignorados, estamos sendo sacrificados”, disse Delgra.
Rachel Rose Jackson, da Corporate Accountability, foi incisiva: “O que os EUA fizeram em Bonn não é apenas falta de compromisso. É sabotagem pura e simples. Eles não apenas se retiraram da pista de dança, como quebraram o som, sabotaram o chão e amarraram os cadarços dos demais participantes”. Segundo ela, o comportamento dos EUA e seus aliados expõe uma tática clara: travar a cooperação internacional e garantir que os mercados de carbono sejam o “desfecho final” de um processo viciado.

Mercado de carbono questionável
Os mercados de carbono, amplamente promovidos pelos países desenvolvidos, são alvo de críticas. Desde sua criação, não reduziram as emissões globais e têm permitido que empresas e governos continuem poluindo com impunidade. O Sul Global, que já sofre com os impactos, é agora também responsabilizado pelo problema através de esquemas que transferem o ônus da descarbonização para os mais vulneráveis.
Leon Sealey-Huggins, da War on Want, destacou que transições estão ocorrendo, mas à revelia dos trabalhadores e comunidades. “Bilionários estão eletrificando seus carros, automatizando empregos e saqueando territórios. Enquanto isso, países como o Reino Unido cortam ajuda externa e investem em guerras”.
Distopia tecnocrata
Segundo ele, sem justiça redistributiva, a transição verde tornar-se-á uma distopia tecnocrata: “O Norte Global criou um sistema onde, para cada dólar de ‘ajuda’, trinta retornam. Desde 1960, US$ 62 trilhões foram extraídos do Sul através de comércio desigual”.
Por isso, a sociedade civil exige:
- Diretrizes de Justa Transição que garantam direitos humanos e laborais, consulta prévia e engajamento comunitário.
- Mecanismo Global de Justa Transição, baseado em cooperação internacional e equidade.
- Integração da Transição Justa nos planos nacionais de clima.
- Mandato para financiamento adequado, não oneroso e previsível da transição.
- Instituições nacionais para participação popular na transição.
Como resumiu um participante: “Ação climática sem transição justa é paraíso de tecnocratas e apocalipse para o resto de nós”.
A desigualdade climática é global
Com mais de dois bilhões de pessoas sem acesso a cozimento limpo, e milhões no Norte sem conseguir pagar suas contas de energia, não é apenas o Sul que sofre. A desigualdade climática é global e exige uma resposta que coloque o planeta e as pessoas em primeiro lugar.
Necessário justiça climá
A visão coletiva de transição é clara: deve ser justa, ecológica, equitativa e garantir a dignidade de todos. Enquanto Bonn continuar refém de interesses hegemônicos, essa transição não acontecerá. E o colapso deixará de ser apenas uma previsão para se tornar uma realidade presente.







































