Um novo estudo da Universidade de São Paulo (USP) e da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) revela uma fronteira até agora pouco explorada da recuperação ambiental: as bordas urbanas. Esses territórios, situados entre o urbano consolidado e o rural, somam cerca de 410 mil hectares com potencial para restauração florestal em todo o Estado de São Paulo — o equivalente a quase um terço da meta paulista de restaurar 1,5 milhão de hectares até 2050.

A pesquisa foi conduzida por cientistas do Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza – BIOTA Síntese, um Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Publicado na revista Scientific Reports, o estudo analisou três décadas de dados do Projeto MapBiomas (1990–2020), distinguindo pela primeira vez as áreas urbanas densas, as bordas urbanas e as zonas rurais do território paulista.
Os resultados mostram que a regeneração natural vem superando o desmatamento nas bordas urbanas desde 2005, mesmo sob forte pressão do crescimento das cidades. “Essas áreas estão próximas das pessoas e têm alto potencial para gerar benefícios ambientais e sociais”, explica Luciana Schwandner Ferreira, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP).
Coordenado por Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da USP (IB-USP) e líder do BIOTA Síntese, o estudo destaca que as bordas urbanas representam uma oportunidade estratégica: nelas, os custos de restauração tendem a ser menores e os ganhos coletivos, maiores. “Mesmo sem políticas específicas, as taxas de regeneração são expressivas. Políticas voltadas a essas áreas poderiam ampliar e consolidar esse processo, aproximando a restauração dos 96% de paulistas que vivem em cidades”, avalia o pesquisador.

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A macrometrópole paulista, formada por 174 municípios, é um laboratório natural para essa transformação. A proximidade com áreas preservadas, como o Parque Estadual da Serra do Mar, favorece a regeneração natural e reduz custos operacionais. Quando o plantio ativo é necessário, a logística é mais eficiente e o impacto social se multiplica, gerando emprego e fortalecendo economias locais.
Os 410 mil hectares identificados equivalem a 51% da área total das bordas urbanas do Estado. Desses, 235 mil hectares estão localizados na macrometrópole e beneficiam diretamente 32,7 milhões de pessoas. Além disso, 39 mil hectares correspondem a áreas de preservação permanente (APPs) — margens de rios, encostas e topos de morro — que necessitam de restauração imediata conforme o Código Florestal Brasileiro.
O estudo também alerta para a complexidade social dessas regiões. As bordas urbanas abrigam uma diversidade de usos da terra — bairros populares, áreas agrícolas familiares, zonas industriais e espaços de lazer — o que exige políticas de restauração contextualizadas. O objetivo, segundo os pesquisadores, é conciliar múltiplos interesses e evitar riscos sociais, como deslocamentos forçados ou processos de gentrificação decorrentes da valorização ambiental.
Por isso, o estudo defende abordagens flexíveis: em alguns locais, a regeneração natural pode ser suficiente; em outros, são recomendados modelos produtivos com espécies nativas voltados à alimentação, madeira ou serviços ecossistêmicos; e, em certos casos, intervenções de infraestrutura verde urbana podem integrar a restauração à vida cotidiana das cidades.
Além da recuperação da biodiversidade e da proteção dos recursos hídricos, restaurar áreas periurbanas pode trazer ganhos diretos à qualidade de vida — reduzindo ilhas de calor, melhorando o ar e oferecendo espaços de lazer e convivência. A pesquisa reforça que a restauração ecológica, quando articulada ao planejamento urbano, torna-se também uma ferramenta de saúde pública, mitigação climática e justiça ambiental.
O trabalho integra o projeto “Resiliência e adaptação à mudança do clima nas cidades: tempo de agir com soluções baseadas na natureza”, financiado pela FAPESP, e contou com bolsas de pós-doutorado (processos 22/07415-0 e 22/09161-6). O artigo completo, Urban boundaries are an underexplored frontier for ecological restoration, pode ser consultado em nature.com.










































