O Brasil deu o primeiro passo na criação de uma rede nacional destinada a monitorar o lixo espacial. O projeto visa rastrear os detritos que orbitam a Terra, gerenciar os riscos de colisões com satélites brasileiros, aumentar a segurança das operações no Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, e reduzir os perigos de acidentes devido à reentrada de fragmentos no território nacional. Além disso, a rede se integrará a sistemas internacionais de vigilância de lixo espacial. Estima-se que existam mais de 130 milhões de objetos no espaço, sendo a maioria extremamente pequenos.
A fase inicial do projeto está em andamento com a aquisição de três telescópios e um sistema de gerenciamento de riscos, que estão sendo providenciados pela Divisão de Engenharia Aeronáutica e Aeroespacial do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. O investimento de R$ 12 milhões será financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Os telescópios, com espelhos de aproximadamente 40 cm de diâmetro, serão adquiridos ainda em 2024, dependendo da liberação dos recursos. A longo prazo, está prevista a expansão da rede com a adição de um telescópio maior, com cerca de 1 metro de diâmetro, que permitirá detectar objetos de menor brilho e identificar artefatos ainda não catalogados. O engenheiro aeroespacial Carlos Amaral, membro do Laboratório de Monitoramento de Objetos Espaciais (LMOE) do ITA, detalhou que os telescópios menores são utilizados para obter dados preliminares sobre a órbita de objetos, enquanto os maiores têm um papel fundamental na identificação mais precisa desses fragmentos.
O foco inicial dos telescópios será a observação de objetos que orbitam entre 2.000 km e 35.786 km de altitude, incluindo a órbita geossíncrona, onde satélites como o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas) estão localizados. Embora a capacidade principal seja o monitoramento dessas órbitas mais altas, os telescópios também poderão observar artefatos em órbitas mais baixas.
Após a instalação dos telescópios, prevista para ocorrer no prazo de um ano, um dos equipamentos será posicionado no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais, enquanto os outros dois podem ser alocados em São Paulo e Goiás. O sistema de gerenciamento de risco, denominado GSTT Orbit Guard, já está em operação desde janeiro de 2024. Desenvolvido pela empresa italiana GMSPAZIO, esse software utiliza dados coletados por telescópios e radares para prever e evitar colisões.
No Brasil, o sistema já está ativo em duas plataformas: uma no Centro de Operações Espaciais da Força Aérea Brasileira (FAB), em Brasília, e outra no LMOE-ITA, com foco em pesquisa e treinamento de profissionais para o setor aeroespacial e de Defesa. O LMOE-ITA já processa dados do telescópio ROBO40, instalado no Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), que, embora voltado para observações astronômicas, também realiza o rastreamento de lixo espacial como atividade secundária.
Visão para Expansão: 15 Telescópios no Brasil
A longo prazo, o projeto visa expandir a rede para pelo menos 15 telescópios espalhados por diferentes regiões do Brasil. O astrofísico Wagner Corradi, diretor do LNA, destacou a importância de uma rede ampla para garantir um bom rastreamento, uma vez que a extensão territorial do país exige uma triangulação eficiente dos dados. Esse aumento no número de equipamentos permitirá melhorar a precisão na determinação da trajetória e velocidade dos objetos.
Atualmente, a maioria dos telescópios voltados para o monitoramento de lixo espacial está localizada no hemisfério Norte, com lacunas significativas na observação abaixo da linha do Equador. O Brasil conta, desde 2017, com o Panoramic Electro Optical System (PanEOS), um telescópio de origem russa instalado no Observatório Pico dos Dias, mas sua operação está sujeita às diretrizes da Agência Espacial Federal Russa (Roscosmos). A criação de uma rede nacional permitirá ao Brasil maior autonomia na escolha dos alvos e no acesso aos dados.
Além disso, um projeto de telescópio de observação de lixo espacial, o FocusGeo, será implementado no Observatório Astronômico e do Geoespaço da Paraíba, com três telescópios de 18 cm de diâmetro. O projeto resulta de uma parceria entre a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e o Observatório Astronômico de Xangai, na China. A operação do telescópio está prevista para 2025.
Desafios e Riscos do Lixo Espacial
O lixo espacial é um problema crescente. Em julho de 2024, a Agência Espacial Europeia (ESA) estimou que cerca de 40.500 objetos com mais de 10 cm de diâmetro orbitam a Terra, além de mais de 1 milhão de objetos menores, e até 130 milhões de fragmentos de 1 mm a 1 cm. Embora os riscos de colisões com a Terra ainda sejam baixos, os danos potenciais são significativos, uma vez que objetos minúsculos, ao viajarem a velocidades superiores a 20 mil km/h, podem causar sérios danos a satélites e outras infraestruturas espaciais.
Embora, até agora, o impacto direto do lixo espacial na vida terrestre tenha sido mínimo, com o único registro de uma pessoa atingida por fragmentos no passado, o risco de colisões e o impacto ambiental da poluição espacial permanecem preocupações em expansão. Pesquisadores brasileiros como Jorge Kennety Silva Formiga e Denilson Paulo Souza dos Santos estão desenvolvendo modelos matemáticos para estudar a trajetória dos detritos espaciais e mitigar os impactos desses fragmentos, seja através de manobras com lasers para desviar objetos ou no rastreamento dos fragmentos para reduzir o risco de danos materiais e ambientais no futuro.
Este projeto é um passo importante para o Brasil não apenas no monitoramento e gestão dos detritos espaciais, mas também na contribuição para as redes internacionais de vigilância, essencial para a segurança das operações espaciais no futuro.