Calor extremo já mata meio milhão de pessoas por ano, alerta global


O planeta está literalmente esquentando — e cobrando vidas. Segundo o relatório Contagem Regressiva em Saúde e Mudanças Climáticas, elaborado por mais de cem cientistas de vários países para a revista The Lancet em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 546 mil pessoas morrem todos os anos por causa do calor. Apenas em 2024, outras 154 mil mortes foram atribuídas à fumaça de incêndios florestais.

Joédson Alves/Agência Brasil

O estudo, publicado nesta quinta-feira (29) na Inglaterra, antecipa as discussões da COP30 — a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em Belém (PA) a partir de 10 de novembro. O relatório é um alerta contundente: sem cortes profundos no uso de combustíveis fósseis e nas emissões de gases de efeito estufa, a saúde humana entrará em colapso junto com o clima.

“Com os impactos das mudanças climáticas aumentando, a saúde e a vida dos 8 bilhões de habitantes do mundo estão agora em risco”, afirmam os cientistas.

A conta humana do calor

O documento, parte da iniciativa global Lancet Countdown on Health and Climate Change, mostra que 2024 foi o ano mais quente da história. Do total de 20 indicadores de risco monitorados, 12 atingiram níveis inéditos. Entre 2020 e 2024, cada pessoa no planeta esteve exposta, em média, a 19 dias de ondas de calor — e 16 deles não teriam ocorrido se não fosse o aquecimento global provocado pela ação humana.

A elevação constante das temperaturas não apenas intensifica o desconforto térmico: ela amplia desigualdades e ameaça sistemas de saúde já fragilizados. Calor extremo aumenta o risco de ataques cardíacos, desidratação, doenças respiratórias e falência de órgãos, além de agravar doenças mentais e reduzir a produtividade em regiões tropicais.

Em 2024, os cientistas também registraram recordes na fumaça dos incêndios florestais, responsável por mais de 150 mil mortes em todo o mundo — uma consequência direta da seca, do desmatamento e das mudanças climáticas.

calor-1024x683-1-400x267 Calor extremo já mata meio milhão de pessoas por ano, alerta global

SAIBA MAIS: Calor extremo pode dobrar mortes na América Latina e ameaça idosos e pobres

O retrato brasileiro

O relatório dedica um capítulo ao Brasil e à América Latina, onde os efeitos do calor são sentidos de forma crescente. No país, entre 2020 e 2024, cerca de 7,7 mil mortes anuais foram associadas à fumaça dos incêndios, e outras 3,6 mil ao calor excessivo, com base em dados entre 2012 e 2021.

Os pesquisadores calculam que os brasileiros enfrentaram, em média, 15,6 dias de onda de calor por ano, e 94% deles não teriam ocorrido sem a influência das mudanças climáticas. Além disso, 72% do território nacional experimentou ao menos um mês de seca extrema por ano entre 2020 e 2024 — um salto de quase dez vezes em relação às décadas de 1950 e 1960.

A publicação sobre a América Latina também revela que a temperatura média regional chegou a 24,3 °C em 2024, a mais alta desde o início dos registros, e que as mortes relacionadas ao calor na região já alcançam 13 mil por ano.

Adaptação: de opção a urgência

Apesar do cenário dramático, o relatório traz uma mensagem de esperança — mas ela depende de ação. Os cientistas defendem uma transformação profunda nos sistemas energéticos e uma redução acelerada da dependência dos combustíveis fósseis, acompanhada de políticas de adaptação que protejam as populações mais vulneráveis.

A publicação reforça que a adaptação “não é mais opcional, mas uma necessidade essencial e inegociável” para enfrentar os riscos climáticos, fortalecer a resiliência e reduzir desigualdades.

“Construir um futuro resiliente exige transformar fundamentalmente nossos sistemas de energia e reduzir nossa dependência de combustíveis fósseis”, destaca o texto.

O papel do Brasil e a esperança em Belém

Às vésperas da COP30, o relatório aponta o Brasil como um símbolo de possibilidade e liderança climática. O país, com sua vasta cobertura florestal e capacidade de gerar energia renovável, é visto como um “farol de esperança” capaz de unir mitigação e adaptação em um modelo de desenvolvimento sustentável centrado na saúde e no bem-estar das pessoas.

A mensagem é clara: o aquecimento global não é apenas uma questão ambiental — é uma emergência de saúde pública. E as decisões que serão tomadas em Belém poderão definir se o mundo será capaz de preservar vidas em meio a um clima cada vez mais hostil.