A carne que chega às mesas brasileiras e internacionais pode estar impregnada pela destruição da Amazônia e pela violação de direitos indígenas. Uma investigação conduzida pelo Greenpeace Brasil revelou que bois criados de forma ilegal dentro da Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, em Mato Grosso, entraram na cadeia de abastecimento de um dos maiores frigoríficos do mundo.

Esse mecanismo, chamado de “lavagem de gado”, ocorre quando animais criados em áreas embargadas ou protegidas são transferidos para fazendas aparentemente regulares. A partir desse ponto, ganham aparência de legalidade e seguem para os frigoríficos como se não carregassem em sua história a marca da devastação. O resultado é uma cadeia de carne que alimenta a economia global às custas da floresta e dos povos que dela dependem.
Terra indígena sob ameaça constante
A Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu foi homologada em 2016, após reconhecimento oficial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Pela Constituição, a presença de não indígenas ou a realização de atividades econômicas em seu interior é proibida.
Na prática, contudo, a homologação não impediu a invasão de fazendeiros. Um deles, proprietário de terras que se sobrepõem à área demarcada, foi autuado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por criar gado ilegalmente dentro do território indígena. A Fazenda Três Coqueiros II, de 592 hectares, soma multas milionárias, mas mesmo sob embargo continuou operando.
As investigações mostram que os bois dessa propriedade eram sistematicamente transferidos para a Fazenda Itapirana, uma área fora da terra indígena e sem embargos ativos. Essa segunda fazenda funcionava como um ponto de legalização: a partir dela, os animais eram vendidos sem restrições a frigoríficos.

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Como a carne ilegal cruzou fronteiras
Entre 2018 e 2025, mais de mil bois foram transferidos da área embargada para a Itapirana. No mesmo período, essa fazenda forneceu quase três mil animais a grandes frigoríficos localizados em Mato Grosso.
De lá, a carne ganhou escala global: cortes oriundos desse fluxo ilegal foram distribuídos em todo o Brasil e enviados a mercados internacionais. Um dos frigoríficos envolvidos é autorizado a exportar para a União Europeia; outro, para Hong Kong e diversos destinos. Isso significa que consumidores mundo afora podem ter colocado no prato carne produzida a partir de gado criado em terras indígenas invadidas.
Compromissos distantes da realidade
O mais alarmante é que a gigante da carne já havia firmado compromissos públicos de zerar o desmatamento em sua cadeia de produção, incluindo o monitoramento de fornecedores indiretos, de onde mais comumente saem as irregularidades. Esses compromissos remontam a mais de uma década, mas a prática investigada demonstra que a promessa não saiu do papel.
A fragilidade do sistema de controle e a repetição de esquemas de ocultação revelam que o problema não é pontual, mas estrutural. A “lavagem de gado” continua sendo o elo que conecta o desmatamento e a invasão de terras indígenas à carne que circula legalmente no mercado global.
Esse caso não deve ser visto como exceção. Pelo contrário: ele expõe um padrão que se repete em toda a Amazônia. Enquanto não houver rastreabilidade total do rebanho bovino, brechas continuarão a ser exploradas e compromissos seguirão sendo ignorados.
O cenário exige respostas urgentes:
Governos precisam criar e aplicar regras rígidas para o setor pecuário, alinhadas ao Acordo de Paris e ao Marco Global da Biodiversidade da ONU.
Instituições financeiras devem revisar financiamentos que alimentam atividades destrutivas.
Líderes globais, na COP30, terão de assumir metas concretas para eliminar o desmatamento até 2030.
No fim, o caso Pequizal do Naruvôtu deixa claro: a carne que alimenta o mundo pode estar embalada em promessas descumpridas, rastros de floresta derrubada e direitos indígenas violados.








































