A decisão de permitir o uso de compensações com créditos de carbono nas estratégias “net zero” das empresas desencadeou uma crise na organização que confere o principal selo de qualidade aos planos corporativos de descarbonização.
Funcionários da Science Based Targets initiative (SBTi) expressaram profunda preocupação em relação à mudança de posição, ao processo decisório e à divulgação do novo posicionamento.
A nova diretriz veio à tona na terça-feira, através de um comunicado assinado pelo conselho gestor da entidade. Em resposta aberta, os signatários, que se autodenominam uma “grande maioria dos funcionários”, alegaram que a organização não teria autoridade para tomar tal decisão unilateralmente, tampouco anunciá-la sem consulta prévia.
Em uma carta enviada à direção da entidade, lida por jornalistas estrangeiros, eles adotaram uma linguagem mais contundente, exigindo a renúncia do CEO da SBTi, Luiz Amaral, e dos membros do colegiado que aprovaram a decisão.
O texto ressaltou a preocupação de que a organização não se torne uma “plataforma de ‘greenwashing'”, onde as decisões sejam influenciadas indevidamente por lobistas, motivadas por potenciais conflitos de interesse e faltem aderência aos procedimentos de governança existentes.
Críticas frequentemente associadas aos créditos de carbono incluem problemas de integridade na implementação dos projetos e questões de perenidade, como a duração efetiva do sequestro de CO2 e o risco de retorno dessas emissões à atmosfera.
Por outro lado, empresas atuantes nesse segmento defendem que existem bons e maus atores como em qualquer outro negócio, e que o esforço de aprimoramento é contínuo. Argumentam ainda que o mecanismo é uma maneira eficaz de direcionar recursos para países em desenvolvimento, e que, diante da urgência da crise climática, nenhuma solução deve ser ignorada.
Mudança de Posição da SBTi
Em uma guinada notável, a SBTi anunciou na terça-feira que passaria a aceitar os offsets de carbono como ferramenta de redução de emissões. Os rigorosos critérios atuais da entidade permitem o uso desse instrumento apenas no final do processo de descarbonização, para compensar emissões que não puderam ser eliminadas.
Entretanto, o uso de créditos de carbono será restrito ao chamado “escopo 3”, que abrange atividades indiretas das empresas. Nos escopos 1 (operações diretas) e 2 (energia adquirida), as empresas que buscam o selo SBTi ainda são obrigadas a buscar reduções efetivas de emissões para obtenção da certificação.
As condições específicas para aceitação dos créditos serão divulgadas até julho, com expectativa de limites na quantidade admitida e requisitos de qualidade dos créditos.
Embora a SBTi não vá validar os créditos, diversas iniciativas do setor buscam estabelecer salvaguardas e critérios objetivos para garantir a integridade desses ativos.
Reflexos no Mundo Corporativo
A crise tem implicações significativas, pois a SBTi é vista como a principal árbitra dos planos de descarbonização das empresas. Os compromissos são avaliados com base nas trajetórias de redução de emissões apontadas pelo painel científico da ONU, que visam limitar o aumento da temperatura global e evitar as piores consequências da mudança climática.
Das 8.317 empresas que se comprometeram com essa abordagem científica em suas estratégias, 5.127 receberam aprovação da SBTi, sendo esse selo considerado o mais valioso em termos de planejamento climático corporativo.
Empresas brasileiras como Marfrig, Natura, Votorantim Cimentos e Citrosuco estão entre as beneficiárias dessa certificação.
A possibilidade de uso de compensações foi recebida com entusiasmo pelas empresas que desenvolvem projetos geradores de créditos de carbono. O mercado passa por um período de reorganização após uma série de denúncias, especialmente relacionadas aos créditos ligados às florestas, os mais comuns no país.
O Reset entrou em contato com a SBTi, porém não obteve resposta até a publicação desta reportagem. A entidade ainda não se pronunciou publicamente sobre a reação dos funcionários.