China combina transição demográfica e energética para frear emissões de carbono


Durante grande parte do século XX, a China viveu um crescimento populacional e econômico sem precedentes. Em 1950, o país tinha 544 milhões de habitantes e uma economia modesta, com baixas emissões de carbono. A virada ocorreu a partir das reformas econômicas iniciadas por Deng Xiaoping, em 1979, que impulsionaram um processo de industrialização acelerado. Essa transformação levou o país a se tornar a segunda maior economia do mundo, mas também o maior emissor global de dióxido de carbono.

Foto: ONU

A população chinesa alcançou a marca de 1 bilhão de habitantes em 1981 e chegou ao pico de 1,426 bilhão em 2021. Desde 2022, entretanto, a curva demográfica se inverteu, e a China começou a registrar queda populacional. Em 2023, perdeu a posição de país mais populoso do mundo para a Índia. Além disso, a população em idade ativa (15 a 59 anos) vem diminuindo desde 2012, impondo novas pressões sobre a economia e sobre os padrões de consumo de energia.

Do ponto de vista climático, os números são expressivos. As emissões de dióxido de carbono, que eram de apenas 79 milhões de toneladas em 1950, chegaram a 1 bilhão em 1973, saltaram para 10 bilhões em 2017 e ultrapassaram 12 bilhões de toneladas em 2024. Esse volume representa mais que o dobro das emissões conjuntas dos Estados Unidos e da União Europeia. No entanto, 2024 marcou uma inflexão: pela primeira vez, a China registrou redução nas emissões mesmo em meio ao crescimento econômico.

Segundo análise de Lauri Myllyvirta, do Centre for Research on Energy and Clean Air, com sede na Finlândia, o avanço das energias renováveis foi suficiente para suprir não apenas a alta demanda por eletricidade, mas também reduzir a dependência do carvão. As emissões do setor elétrico caíram de forma consistente nos últimos 15 meses, resultado considerado histórico. A grande questão, no entanto, é se o ritmo de expansão da energia limpa será mantido nos próximos anos.

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O país, que no passado resistiu a iniciativas internacionais para reduzir o uso de carvão, agora desponta como líder em investimentos e produção de tecnologias limpas. Relatório da EMBER, organização dedicada à análise da transição energética global, mostra que a China foi responsável por 31% de todos os investimentos mundiais em energia limpa em 2024, o equivalente a US$ 625 bilhões. O armazenamento de baterias triplicou em três anos, e os aportes em redes elétricas bateram recordes, somando 608 bilhões de RMB (US$ 85 bilhões).

A transformação não se limita à geração de eletricidade. Em 2023, a eletricidade ultrapassou o carvão como principal fonte de energia da indústria chinesa e consolidou-se como a matriz dominante em edifícios. No transporte, embora os combustíveis fósseis ainda prevaleçam, a rápida expansão da frota de veículos elétricos vem alterando o cenário. Atualmente, a eletricidade já responde por 32% do consumo energético total do país, ritmo superior ao de muitas economias avançadas.

Esse movimento tem múltiplas motivações. De acordo com especialistas consultados pela EMBER, existe a percepção de que o modelo baseado em combustíveis fósseis se esgotou. O governo chinês incorporou, desde 2018, o conceito de “civilização ecológica” em sua Constituição, buscando integrar metas econômicas, sociais e ambientais. Essa estratégia reduz a dependência de importações energéticas, corta custos de produção, gera empregos e cria mercados de exportação.

O impacto econômico é gigantesco. Em 2024, a produção e os investimentos em energia limpa adicionaram 13,6 trilhões de RMB (US$ 1,9 trilhão) ao PIB chinês, cerca de um décimo da economia nacional. O setor cresce três vezes mais rápido que o conjunto da economia, consolidando-se como motor de inovação. Hoje, empresas chinesas concentram 75% dos pedidos de patentes em tecnologias de energia limpa no mundo, contra apenas 5% em 2000. Esse avanço reduziu custos globais de turbinas eólicas, painéis solares, baterias de armazenamento e veículos elétricos, ampliando o acesso de países emergentes a soluções energéticas modernas.

Na África, por exemplo, as importações de painéis solares chineses cresceram 60% nos últimos 12 meses, e 20 países registraram recordes de compra no período. Esse efeito de transbordamento mostra como a transição chinesa tem alcance global.

O desafio, porém, permanece: o país ainda precisa frear a construção de novas usinas a carvão e acelerar o fechamento das antigas. Esse será o teste crítico para cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Entre as metas da China estão atingir o pico das emissões de CO₂ antes de 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2060. O primeiro objetivo parece próximo de ser alcançado; o segundo exigirá medidas mais profundas e rápidas.

No entanto, já é evidente que a combinação entre mudanças demográficas e transição energética está redesenhando o futuro climático da China. O país que, até pouco tempo, era visto como um obstáculo às negociações climáticas internacionais, agora emerge como protagonista da agenda verde. Esse novo papel pode não apenas acelerar sua própria transição, mas também influenciar o ritmo da descarbonização global.