Belém tem um jeito todo especial de contar histórias. Algumas se revelam nas fachadas antigas do centro histórico, outras nas barracas coloridas do Ver-o-Peso, e há aquelas que chegam ao paladar, traduzindo em sabores a biodiversidade que só a Amazônia tem. É nesse último grupo que se encaixa a trajetória da Gaudens Chocolate, marca que nasceu do sonho de transformar o cacau amazônico em um produto reconhecido mundialmente.

Quem visita Belém para a COP 30 ou mesmo quem vive por aqui talvez ainda não conheça a Gaudens. Mas basta uma mordida em um de seus bombons ou tabletes para entender que se trata de algo único. Mais do que uma chocolateria, a Gaudens é um manifesto em favor da bioeconomia, conectando produtores rurais, ingredientes nativos e técnicas sofisticadas que nascem no coração da floresta e chegam à mesa em forma de iguarias.
“Quando voltei da Europa, em 2003, percebi que eu morava na terra do cacau, onde ele é nativo, e ninguém estava produzindo chocolate fino. Foi aí que decidi criar um produto que estivesse entre os melhores do mundo. Hoje, posso dizer que conseguimos: já temos três prêmios da Academy of Chocolate de Londres”, conta Fábio Sicilia, chef master formado no ICIF, especializado em chocolateria pela Lênotre de Paris e fundador da marca.
A jornada não foi simples. Fábio passou anos cruzando a Transamazônica em busca dos melhores produtores e ingredientes. Nos primeiros anos, a Gaudens funcionava mais como um hobby do que como negócio. Entre 2004 e 2022, a fábrica enfrentou prejuízos, mas o propósito falou mais alto: provar que a Amazônia podia produzir chocolates comparáveis aos melhores do mundo. Só recentemente a empresa alcançou estabilidade financeira — e uma reputação que atravessou fronteiras.
O nome “Gaudens” não foi escolhido por acaso. Em latim, significa alegria plena, conexão com o divino. Um conceito que se reflete na experiência de degustar cada chocolate. “Queria algo que representasse a sensação que o chocolate desperta em mim. Mais do que um produto, ele carrega histórias, emoções e identidade”, explica o chef.

O que diferencia a Gaudens de outras marcas não é apenas a qualidade do cacau, mas a ousadia em experimentar sabores. A marca foi pioneira ao substituir os tradicionais flocos de arroz por farinha de tapioca nos chocolates crocantes, e seu primeiro grande sucesso foi o Castella, creme que combina castanha-do-pará, cacau e açúcar orgânico. Outros ingredientes amazônicos também ganharam espaço em criações inovadoras, como cupuaçu, bacuri e açaí — sabores que dificilmente seriam encontrados em uma chocolateria tradicional.
A Gaudens já levou o sabor amazônico a diferentes cantos do mundo. Chocolates produzidos em Belém chegaram a países como Estados Unidos, Canadá, Itália, França, Inglaterra e até Emirados Árabes. A marca também possui registro na China e mantém pontos de venda em Manaus, Foz do Iguaçu e Belém, onde em breve abrirá duas cafeterias. Além disso, o e-commerce permite que clientes de diversos países comprem diretamente, desde que exista relação comercial com o Brasil.
“Produzir chocolate na Amazônia é um orgulho imenso. Mostramos que o Pará não só cultiva cacau, mas produz chocolate fino em padrão internacional. Essa é uma conquista coletiva”, afirma Fábio, ressaltando a importância da parceria com pequenos produtores locais.
Marca sustentável coleciona selos
Essa conexão é formalizada pelo Selo Nacional da Agricultura Familiar (Senaf), que garante a participação direta da agricultura familiar na cadeia produtiva. A Gaudens realiza uma curadoria rigorosa com produtores rurais que se dedicam à excelência. Além do cacau, outros ingredientes amazônicos são incorporados, como mandioca, açaí, bacuri, cumaru e castanha-do-pará. O resultado é um modelo de negócios que fortalece comunidades e gera valor em cada etapa, da floresta à prateleira.
Outro pilar da empresa é a transparência. A marca ostenta o selo Clean Label, que certifica que seus chocolates não contêm corantes, aromatizantes sintéticos ou aditivos artificiais. Tudo é produzido de forma artesanal, com mínimo processamento e comércio justo. Esse cuidado se reflete na experiência do consumidor e na confiança dos parceiros.
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Além disso, a Gaudens conquistou um marco importante: foi a primeira empresa da América Latina a receber um selo vegano por análise de DNA, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Pará e a Biotec Amazônia. Essa certificação garante a ausência de qualquer traço animal, até mesmo de insetos, atendendo aos padrões mais exigentes do mercado europeu.
Entre tantas criações, um produto ocupa lugar especial no coração do chef e dos clientes: o bombom de cupuaçu. Diferente dos tradicionais recheios doces, ele traz uma combinação surpreendente: chocolate premiado de cupuaçu no recheio e cobertura de chocolate 53% cacau ao leite, também reconhecido internacionalmente. É uma síntese do que a Gaudens representa — inovação, respeito às raízes e excelência técnica.
No futuro, a marca quer expandir não apenas em pontos de venda, mas também na conexão emocional com o público. Fábio acredita que degustar um chocolate Gaudens vai além de saborear um doce: “Degustar Gaudens não é prestar atenção apenas na embalagem, mas no brilho, nos aromas, nos sabores e, principalmente, nas emoções que ele desperta em você. É sobre se permitir sentir a Amazônia em cada pedaço”.
Por Eva Pires












































