Voar sempre foi sinônimo de segurança. Estatisticamente, a aviação comercial é o meio de transporte mais confiável do mundo. Mas, para milhões de passageiros, basta o avião começar a sacudir para que a sensação de vulnerabilidade venha à tona. Copos derramando, carrinhos de refeição deslizando e o aperto no estômago de uma queda repentina: a turbulência segue como um dos momentos mais temidos em qualquer viagem aérea.

Nos últimos anos, episódios severos ganharam manchetes globais. Em maio de 2024, um voo entre Londres e Cingapura atravessou uma instabilidade tão forte que deixou dezenas de feridos e resultou na morte de um passageiro. Poucos meses depois, passageiros da Delta Air Lines precisaram segurar um comissário de bordo no chão para evitar que fosse lançado ao teto em pleno voo. Esses casos não são coincidência. A crise climática está tornando o ar mais instável, e especialistas alertam: o futuro reserva viagens muito mais agitadas.
A turbulência nada mais é do que o movimento irregular do ar que desvia a aeronave de sua trajetória estável. Uma boa forma de imaginar é pensar no avião navegando por um oceano invisível. Quando as correntes estão calmas, o voo é tranquilo. Mas esse “oceano” também pode ter ondas, redemoinhos e correntes que sacodem o trajeto.
Existem diferentes tipos de turbulência. A mecânica surge quando o ar é forçado a circular por obstáculos como montanhas ou arranha-céus. A convectiva nasce dentro de nuvens de tempestade, quando correntes ascendentes e descendentes agitam a aeronave. Já a turbulência de ar claro, conhecida pela sigla em inglês CAT, é a mais traiçoeira: aparece em céus límpidos, geralmente próxima às correntes de jato, sem dar sinais visíveis de alerta.
Em grande parte dos casos, o balanço é leve. Mas há situações em que o avião pode despencar dezenas de metros em segundos. Entre 2009 e 2023, a Federal Aviation Administration (FAA) registrou mais de 200 lesões relacionadas a turbulência, a maioria envolvendo tripulantes que passam parte do voo em pé.

Como a mudança climática entra na equação
O aquecimento global está mudando a dinâmica da atmosfera. Camadas de ar que antes eram relativamente estáveis passaram a apresentar contrastes maiores de temperatura e velocidade. O cientista atmosférico Paul Williams da Universidade de Reading tem mostrado em suas pesquisas que a frequência de turbulência severa pode dobrar ou até triplicar até a metade do século.
O vilão central é o fortalecimento das correntes de jato — enormes rios de ar a cerca de 10 km de altitude que influenciam grande parte das rotas internacionais. Com o aquecimento, essas correntes ficam mais intensas e instáveis, o que torna a turbulência de ar claro cada vez mais comum. Esse é justamente o tipo mais perigoso, porque não pode ser detectado facilmente nos radares meteorológicos.
Um levantamento publicado em 2023 comparou registros recentes com dados de quatro décadas atrás. Sobre o Atlântico Norte, a turbulência severa de ar claro cresceu 55%. Nos Estados Unidos, o aumento foi de 41%. Se a tendência se mantiver, rotas que já hoje são conhecidas pelo desconforto vão se tornar ainda mais desafiadoras.
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As rotas mais agitadas do planeta
A plataforma Turbli, criada pelo pesquisador Ignacio Gallego-Marcos, compila informações de milhares de voos e elabora rankings anuais das rotas mais turbulentas. O padrão é evidente: áreas montanhosas lideram a lista.
Voos para Santiago, no Chile, e Mendoza, na Argentina, atravessam a Cordilheira dos Andes e estão sempre entre os campeões de instabilidade. No Himalaia, rotas para Catmandu, no Nepal, e Paro, no Butão, enfrentam correntes de ar imprevisíveis. Nos Estados Unidos, o trecho entre Albuquerque e Denver cruza as Montanhas Rochosas e é considerado o mais turbulento da América do Norte. Até sobre os Alpes europeus, a instabilidade é praticamente garantida.
Curiosamente, até áreas planas entram no ranking. Nesses casos, o problema não vem do relevo, mas da turbulência de ar claro associada às correntes de jato.
Apesar do medo, a turbulência raramente representa risco estrutural para a aeronave. Os aviões são projetados para suportar forças muito superiores às encontradas em voo. O Boeing 787 Dreamliner, por exemplo, tem asas que podem se flexionar até oito metros para cima sem risco de ruptura.
O perigo real está nos passageiros e objetos soltos. Malas mal presas, equipamentos de serviço e até pessoas podem ser arremessados, provocando ferimentos graves. Daí a insistência dos comissários para que o cinto de segurança permaneça afivelado durante todo o voo.
Custos e adaptações para a aviação
Para as companhias aéreas, turbulência significa mais do que desconforto. Alterações de rota, atrasos, consumo extra de combustível e indenizações por ferimentos representam prejuízos significativos.
A solução passa por novos sistemas de detecção em tempo real, satélites mais avançados e algoritmos de inteligência artificial capazes de prever melhor as áreas de instabilidade. Ao mesmo tempo, o setor busca reduzir sua própria contribuição ao problema. A aviação responde por cerca de 2,5% das emissões globais de gases de efeito estufa. Combustíveis sustentáveis de aviação, conhecidos como SAF, são a grande promessa, mas ainda representam menos de 1% do consumo global.
Se antes a turbulência era vista apenas como incômodo passageiro, hoje se tornou um lembrete direto de que a crise climática não é abstrata. Ela se manifesta não apenas nos termômetros e nos noticiários, mas também na experiência física de milhões de viajantes a cada ano.
No futuro, voar continuará sendo seguro. Mas será também um lembrete constante de que o céu está mudando, e que a instabilidade atmosférica é, em última análise, consequência de um planeta em aquecimento.








































