O futebol e o clima: um jogo que ameaça sair do controle


A Copa do Mundo de 2026, marcada para os Estados Unidos, Canadá e México, pode ser lembrada não apenas pelo espetáculo esportivo, mas como um alerta sobre os limites que o clima impõe ao esporte. Um relatório recém-divulgado pelas organizações Football for Future e Common Goal mostra que 10 dos 16 estádios do torneio estão em áreas classificadas como de risco muito alto para episódios de estresse térmico extremo.

Alexandre Vidal / Flamengo

O estudo, intitulado Pitches in Peril, é o primeiro alinhado às metodologias do IPCC a avaliar os riscos climáticos em arenas esportivas. As conclusões são duras: até 2050, quase 90% dos estádios da América do Norte precisarão de adaptações contra o calor, enquanto um terço deles enfrentará demanda hídrica igual ou superior à disponibilidade local.

As ameaças não se limitam ao torneio de 2026. A pesquisa também avaliou as próximas edições já definidas. Em 2030, a Copa será disputada em Espanha, Portugal e Marrocos, regiões cada vez mais expostas a ondas de calor e eventos extremos. Em 2034, o anfitrião será a Arábia Saudita, onde as temperaturas médias já colocam à prova a resistência humana.

O ex-jogador espanhol Juan Mata, campeão mundial em 2010, lembrou a devastadora enchente de Valência para ilustrar como o futebol não pode se isolar da crise climática. Para ele, o esporte, que historicamente une povos, agora também deve servir de lembrete do que a humanidade corre o risco de perder.

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Reação a clima extremo – Robbie Jay Barratt/AMA/Getty Images

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Um ensaio em campo: o Mundial de Clubes nos EUA

As previsões do relatório ganharam contornos concretos durante o último Mundial de Clubes, realizado nos Estados Unidos. Atletas classificaram as condições como insuportáveis: temperaturas sufocantes, tempestades violentas e partidas interrompidas por pausas de hidratação e medidas emergenciais de resfriamento. O cenário antecipou o que pode estar por vir em 2026.

De acordo com os dados, 14 dos 16 estádios da próxima Copa já ultrapassam, em 2025, limites de segurança relacionados a três ameaças principais: calor extremo, chuvas intensas e inundações. Treze dessas arenas registram, a cada verão, pelo menos um dia acima do limite definido pela Fifa para pausas técnicas: 32°C no índice de Wet-Bulb Globe Temperature (WBGT), métrica que mede estresse térmico em condições de exposição direta ao sol.

As cidades de Atlanta, Dallas, Houston, Kansas City, Miami e Monterrey chegam a enfrentar esse patamar durante dois meses consecutivos. Dallas apresenta 31 dias anuais acima do limite crítico de 35°C WBGT — apontado por cientistas como fronteira da adaptabilidade humana. Em Houston, são 51 dias. Ainda que os estádios dessas cidades contem com coberturas retráteis, a vulnerabilidade vai muito além da elite esportiva: ameaça os campos comunitários que moldaram carreiras de craques como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo.

O relatório vai além das arenas da Copa e analisa o impacto global do aquecimento. O estádio de origem de Mohamed Salah, no Egito, pode enfrentar mais de um mês de calor insuportável por ano. Já o campo da infância do nigeriano William Troost-Ekong pode se tornar impraticável em 338 dias anuais até 2050.

A necessidade de adaptação e mudança de rota

O alerta é reforçado por Piers Forster, diretor do Priestley Centre for Climate Futures, em Leeds. Para ele, sem medidas radicais, competições precisarão migrar para meses de inverno ou regiões mais frias. O risco não é apenas para a performance, mas para a própria saúde dos jogadores, árbitros e torcedores.

O documento, com 96 páginas, pede que a indústria do futebol assuma o compromisso de zerar emissões líquidas até 2040 e publique planos de descarbonização verificáveis. Defende ainda que organizadores criem fundos de adaptação climática e lembra que 91% dos 3.600 torcedores consultados nos países-sede de 2026 querem que a Copa seja exemplo mundial de sustentabilidade.

Assim, a bola da vez não é apenas a que rola nos gramados, mas a que está no campo das decisões: ou o futebol se adapta ao planeta em transformação, ou verá seus palcos se tornarem cada vez mais inóspitos.