A estratégia que evita que toneladas de plástico cheguem ao Mediterrâneo


O ponto onde nasce um rio de plástico — e onde a solução começa a mudar

O Mediterrâneo, embora represente apenas uma pequena fração das águas do planeta, tornou-se um dos ambientes mais saturados por microplásticos no mundo. Todos os anos, mais de meio milhão de toneladas de resíduos chegam às suas águas quase fechadas, impulsionadas por rios que funcionam como verdadeiras correias transportadoras de lixo. Entre eles, o Drin — que cruza Macedônia do Norte, Kosovo e Albânia — tornou-se símbolo de um problema que ultrapassa fronteiras.

Foto: Esthee2010

Durante décadas, a região assistiu ao avanço de um rio que deixava de ser um curso cristalino para se transformar em corredor de garrafas, sacolas e embalagens. A sensação predominante era de inevitabilidade: quando o lixo chegava ao Mediterrâneo, já não havia como recuperá-lo. Mas o que era visto como destino passou a ser encarado como ponto de partida para uma ação inteligente. Uma iniciativa liderada pela organização alemã Everwave, com apoio da comunidade global de financiamento Planet Wild, decidiu agir antes que o lixo tocasse o mar — e mostrou que a reversão é possível.

A ideia é simples e estratégica: impedir que o plástico avance, interceptando o problema no rio, não no oceano. E, com isso, transformar o que antes era puro descarte em oportunidade ambiental, social e econômica.

Por que o rio Drin se tornou símbolo de um desafio internacional

A região albanesa de Kukes é o ponto onde o Drin Branco e o Drin Negro se encontram, unindo também os resíduos transportados desde três países. Em muitas áreas rurais do entorno, a coleta formal de lixo simplesmente não existe. Sem alternativa, moradores recorrem a depósitos improvisados em encostas, vales e margens, onde o vento e as chuvas fazem o restante do trabalho: arrastam tudo para o rio.

Com o passar dos anos, paisagens antes lembradas como praias limpas e margens serenas se transformaram em pontos de acúmulo de lixo flutuante. Moradores relatam que a sensação é de assistir ao próprio rio adoecer — um rio de plástico que avança diariamente em direção ao Mediterrâneo.

A represa de Fierza, construída para geração de energia, acabou desempenhando um papel inesperado e crucial: tornou-se uma barreira natural, pois o lixo flutuante fica represado e se acumula em grandes mantas. O que antes era mais um problema passou a ser visto como oportunidade de contenção.

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Reprodução

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A tecnologia improvisada que virou modelo de limpeza ambiental

Foi nesse cenário que a Everwave construiu uma operação que combina criatividade, engenharia simples e reaproveitamento de estruturas existentes. A primeira peça é justamente a represa de Fierza, que, ao concentrar o lixo em um mesmo trecho, facilita a coleta. A segunda é um barco coletor adaptado: originalmente uma colheitadeira aquática agrícola, transformada em máquina capaz de recolher até uma tonelada de resíduos em menos de vinte minutos.

A travessia do equipamento até a Albânia virou quase um capítulo à parte — atravessando fronteiras, enfrentando pedágios imprevistos e sendo reimportado até finalmente chegar ao reservatório. Mas, uma vez no Drin, o barco se tornou a peça central da limpeza.

A última parte do plano é talvez a mais simbólica: a transformação de uma antiga fábrica soviética de embalagens em centro de triagem e reciclagem. Com 100 mil euros arrecadados pela Planet Wild, o prédio passou a receber e separar o material recolhido pelo barco, compactando e vendendo o que pode ser reaproveitado. Cerca de 80% do lixo retirado do rio tem valor de mercado, o que permite que a própria operação gere renda e caminhe para a autossustentabilidade, empregando moradores e criando um ciclo virtuoso.

Os efeitos ambientais e sociais de um experimento que pode se espalhar pelo mundo

A meta é remover até 25 toneladas de plástico por mês do reservatório de Fierza — e cada tonelada significa menos poluição nas beiras do Drin, menos resíduos descendo rumo ao Adriático e menos carga plástica entrando no Mediterrâneo. Para os moradores, o impacto é também emocional: ver trechos do rio recuperados devolve parte da identidade local e da relação com o território.

Mas a operação vai além do impacto regional. Ela funciona como prova de conceito global. Hoje, estima-se que entre 1 e 3 milhões de toneladas de plástico entrem anualmente nos oceanos via rios. Se soluções semelhantes forem aplicadas nos principais rios poluentes, a redução pode ser expressiva.

A experiência da Albânia também mostra que não é necessário construir estruturas grandiosas ou depender de tecnologias futuristas. Muitas vezes, o caminho está em combinar o que já existe — uma represa, um barco agrícola, um galpão abandonado — com uma boa dose de criatividade, colaboração internacional e vontade de agir.

No fim, o Drin deixa de ser apenas um rio de plástico. Torna-se um lembrete de que problemas globais podem ser enfrentados localmente, com soluções acessíveis, participação comunitária e foco no que realmente importa: impedir que o lixo chegue onde não deveria chegar.