O futuro do peixe-boi-da-Amazônia voltou ao centro das atenções internacionais durante a COP30, em Belém, com a apresentação do Programa de Conservação de Peixes-Boi na Amazônia, conduzido pelo Ibama. A iniciativa, construída em rede com instituições públicas, universidades, organizações da sociedade civil e parceiros privados, mostra como a proteção da fauna amazônica exige articulação contínua, conhecimento científico e cuidados permanentes diante de um ambiente em rápida transformação climática.

O programa reúne ações complementares que começam no resgate de animais encalhados, passam por atendimentos emergenciais, reabilitação e aclimatação e culminam na soltura monitorada dos indivíduos considerados aptos a retornar ao habitat natural. No entanto, o escopo da iniciativa vai muito além do cuidado direto com os animais. Ele integra campanhas de sensibilização, capacitação de comunidades e técnicos locais, pesquisas aplicadas e abertura de novas unidades de readaptação — passos essenciais para reforçar a saúde dos ecossistemas onde o peixe-boi desempenha papel ecológico central.
Durante a apresentação, o superintendente do Ibama no Pará, Alex Lacerda de Souza, chamou atenção para o aumento dos encalhes, especialmente de filhotes, registrado nos últimos anos. Para ele, esse fenômeno não é casual, mas um sintoma da degradação crescente dos habitats aquáticos e dos impactos acumulados das mudanças climáticas, que alteram ciclos hidrológicos, disponibilidade de alimento e segurança dos berçários naturais. Segundo Lacerda, os picos observados em 2023 e 2025 evidenciam a urgência de ampliar e integrar os esforços de manejo.
Uma das metas prioritárias do programa é expandir suas operações para outros estados da Amazônia, como Amazonas e Amapá, criando novos recintos de aclimatação e ampliando o monitoramento de animais reintroduzidos na natureza. A estratégia segue um princípio-chave da conservação contemporânea: quanto mais distribuídas e conectadas forem as ações, maior a resiliência das populações e menor a probabilidade de colapso ecológico local.
A rede de parceiros da iniciativa é extensa e revela a diversidade de competências necessárias para garantir seu sucesso. Entre eles estão o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), a Universidade Federal do Pará (UFPA), o Zoounama, o Instituto Bicho D’Água e, mais recentemente, o GRAESP, o IDEFLOR-Bio e a Prefeitura de Soure. Cada organização contribui com conhecimento, infraestrutura ou logística, permitindo que o programa alcance resultados mais amplos e duradouros.

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Lacerda destacou também o papel da iniciativa privada, cuja participação tem fortalecido o programa por meio de apoio financeiro, doações e cooperação técnica. Um exemplo é o Centro de Triagem de Animais Silvestres de Benevides, administrado pelo Ibama com apoio da ONG Proteção Animal Mundial, que se tornou referência regional no atendimento à fauna.
Outro avanço relevante apresentado na COP30 é fruto direto do processo de licenciamento ambiental conduzido pelo Ibama. Como condicionante de uma licença para pesquisa sísmica marítima concedida à empresa TGS, foi estruturado um conjunto de instalações fundamentais: o Centro de Reabilitação de Peixes-Boi em Castanhal, a Unidade de Estabilização de Animais Marinhos em Soure e um novo recinto de aclimatação pré-soltura também em Soure, inaugurado em 3 de novembro. Essa articulação mostra como condicionantes ambientais, quando bem desenhadas e implementadas, podem gerar benefícios concretos para a conservação da fauna.
A apresentação na COP30 destacou que conservar o peixe-boi-da-Amazônia não é apenas salvar uma espécie ameaçada, mas manter processos ecológicos essenciais. O Trichechus inunguis, menor entre os três peixes-bois existentes, é considerado um jardineiro natural das águas amazônicas. Ao consumir grandes quantidades de plantas aquáticas — entre 40 e 60 quilos por dia — controla o crescimento excessivo da vegetação, facilita o fluxo hídrico e contribui para a dispersão de sementes em áreas de várzea e igapó. Suas atividades influenciam desde a formação de clareiras submersas até a navegabilidade de rios estreitos, conectando ecologia, economia e vida cotidiana de populações ribeirinhas.
Ao levar o programa à COP30, o Ibama reforça que a proteção do peixe-boi é também um indicador da capacidade do país de integrar ciência, políticas públicas e ações locais em prol da biodiversidade. A iniciativa demonstra que, mesmo diante das pressões ambientais mais severas, a atuação em rede continua sendo uma das ferramentas mais poderosas para manter vivo o pulsar dos ecossistemas amazônicos.







































