A construção do Porto Meridional, um terminal portuário privado planejado para o município de Arroio do Sal, no litoral norte do Rio Grande do Sul, está cercada por uma crescente onda de críticas.
O empreendimento, orçado em R$ 1,3 bilhão e com início das obras previsto para 2026, é alvo de um dossiê técnico assinado por pesquisadores de instituições como UFRGS e FURG. O documento, divulgado pelo Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (MOVLN/RS), afirma que o projeto representa um “risco real de colapso ambiental e urbano”, tramitando sem transparência ou debate público consistente.
Impactos além do meio ambiente
O documento técnico destaca que o impacto previsto vai além das questões ambientais. Há preocupações logísticas, sociais e econômicas relevantes. A fragmentação da cadeia logística pode comprometer os portos já existentes, como Rio Grande e Porto Alegre. Além disso, alterações na linha da costa e aumento na pressão urbana podem desequilibrar comunidades locais e ecossistemas frágeis.
Entre os pontos mais criticados está a localização do terminal, próximo a unidades de conservação, comunidades turísticas e sítios arqueológicos. O projeto prevê a construção de um quebra-mar de quatro quilômetros e infraestrutura logística que dependeria de rodovias já saturadas.
Um mosaico ecológico sob ameaça
A região que abrigaria o terminal é uma das mais biodiversas do sul do país. Ela serve de refúgio para 80% das espécies de cetáceos da costa brasileira, é rota de aves migratórias e abriga o boto-de-Lahille, espécie ameaçada e endêmica. A zona também concentra ecossistemas de dunas, banhados e fragmentos de Mata Atlântica, além da Lagoa de Itapeva, fonte de abastecimento hídrico da região.
O memorial técnico aponta ainda a existência de 61 sítios arqueológicos na área de influência do projeto, incluindo sambaquis com mais de 3 mil anos, reforçando o valor histórico e cultural do local.
Principais ameaças do projeto
Os especialistas e movimentos sociais destacam uma série de riscos imediatos e de longo prazo:
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Erosão costeira: A construção do porto pode alterar o regime de correntes marinhas, provocando recuo da linha da praia e ameaça às dunas e banhados.
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Contaminação ambiental: Há preocupação com a liberação de águas de lastro de navios e o aumento de emissões poluentes por caminhões pesados.
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Biodiversidade sob pressão: Animais marinhos e aves migratórias podem ter seus habitats e rotas comprometidos.
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Sobrecarga urbana: O fluxo sazonal de turistas somado ao tráfego de trabalhadores e veículos pesados pode colapsar os serviços públicos locais.
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Falta de planejamento logístico: Vias estreitas e sem infraestrutura adequada aumentam o risco de gargalos no escoamento de cargas.
Avanço político em meio à controvérsia
Mesmo diante das críticas, o projeto avança com apoio institucional. Em outubro de 2024, foi firmado um contrato de adesão entre a empresa Porto Meridional Participações S.A. e o Ministério de Portos e Aeroportos. A autorização para construção, como Terminal de Uso Privado (TUP), foi concedida pela Antaq, com base na legislação federal que dispensa licitação nesse modelo.
O senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) é um dos principais defensores do projeto. Ele tem articulado reuniões com autoridades e pressionado por celeridade no licenciamento, justificando que o porto fortalecerá a infraestrutura logística do estado e impulsionará a economia da região.
Vozes da ciência pedem diálogo com a sociedade
Entre os autores do documento estão nomes como Jefferson Cardia Simões, do Programa Antártico Brasileiro, e Rualdo Menegat, geólogo e organizador do Atlas Ambiental de Porto Alegre. Os especialistas destacam que projetos com esse grau de impacto exigem participação social e discussão pública ampla.
A professora Heleniza Ávila Campos, da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, afirma que o projeto “carece de clareza sobre a quem realmente interessa e de que forma beneficia a sociedade”. O memorial ainda compara o caso com experiências negativas em outros países e estados brasileiros, como Santa Catarina, onde portos privados semelhantes resultaram em conflitos logísticos e prejuízos ambientais.
A urgência do debate democrático
O MOVLN/RS sustenta que o projeto viola diretrizes do Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro (ZEEC) e desrespeita princípios constitucionais como o da precaução. A entidade reforça que não se trata de ser contra o desenvolvimento, mas de defender um modelo que preserve a integridade ambiental, cultural e social da região.
“Estamos diante de uma decisão que pode alterar profundamente o futuro do litoral norte gaúcho. Ela não pode ser tomada sem escuta e participação popular”, diz o movimento em nota.
Linha do tempo: os marcos do projeto
2 de julho de 2021 – Prefeito de Arroio do Sal apresenta plano portuário em Brasília.
7 de abril de 2022 – Audiência pública é realizada na Assembleia Legislativa do RS.
16 de maio de 2022 – Senador Heinze se reúne com diretor da Antaq.
13 de outubro de 2023 – Antaq habilita empresa para construção do terminal.
3 de outubro de 2024 – Contrato de adesão é celebrado entre a Antaq e a Porto Meridional.
18 de outubro de 2024 – Assinatura oficial do contrato com autoridades presentes.
31 de outubro de 2024 – Heinze solicita decreto de utilidade pública para agilizar desapropriações.
14 de março de 2025 – Estudo de impacto ambiental é entregue ao Ibama.
15 de março de 2025 – Avanço no processo de licenciamento em Brasília.
9 de abril de 2025 – Antaq autoriza formalmente a construção do terminal.
10 de abril de 2025 – Projeto é discutido em sessão da Assembleia Legislativa do RS.
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