A cidade de Belém encerrou neste domingo um dos momentos mais simbólicos da agenda paralela da COP30: a Cúpula dos Povos. O encontro, que reuniu dezenas de milhares de participantes, entregou ao presidente da conferência climática, o embaixador André Corrêa do Lago, seu documento final — uma carta que resume críticas, demandas e esperanças de movimentos sociais do Brasil e do mundo. Em resposta, Corrêa do Lago afirmou que levará as reivindicações diretamente às reuniões de alto nível da COP30, que começam nesta semana, reforçando o compromisso de dar visibilidade institucional às vozes que ecoaram nas ruas e debates da capital paraense.

O embaixador reconheceu o desafio político de conduzir negociações multilaterais dentro do âmbito das Nações Unidas, onde 195 países precisam chegar a consensos, muitas vezes em temas sensíveis e urgentes. Mas ressaltou que, apesar das limitações formais, a sociedade civil teve espaço ampliado nesta edição da conferência. Segundo ele, ouvir os movimentos populares é essencial para confrontar a complexidade da emergência climática. Sua fala foi recebida com aplausos por milhares de pessoas que acompanharam o encerramento da Cúpula.
Além da carta principal, Corrêa do Lago recebeu um segundo documento que simbolizou o peso geracional do debate climático: a Carta da Cúpula das Infâncias, escrita por cerca de 700 crianças e adolescentes. Elas expressaram medo de um futuro comprometido pelo calor extremo, pela fumaça das queimadas, pela falta d’água e pela perda irreversível de biodiversidade. Seus pedidos são simples e ao mesmo tempo profundos: preservar florestas vivas, garantir esperança e evitar que o planeta se torne um lugar hostil para quem ainda está começando a viver.
A carta final da Cúpula dos Povos, também entregue ao presidente da COP, foi direta ao denunciar o que chamou de “falsas soluções” para a crise climática, criticando estratégias consideradas insuficientes e incapazes de enfrentar a raiz estrutural do problema. O documento reafirma uma visão construída por comunidades tradicionais, organizações de base e movimentos sociais, que defendem respostas centradas no internacionalismo popular e na troca de conhecimentos entre territórios.
O texto aponta o modo de produção capitalista como causa central do agravamento da crise climática e denuncia o papel de grandes corporações transnacionais — mineradoras, empresas de energia, indústrias bélicas, setores do agronegócio e gigantes da tecnologia — como agentes responsáveis por impactos ambientais severos. Para os participantes, essas empresas operam com margens de poder que ultrapassam fronteiras e, frequentemente, sem mecanismos adequados de responsabilização.
Entre as principais reivindicações apresentadas estão a demarcação imediata de territórios indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais; políticas robustas de reforma agrária e incentivo à agroecologia; fim da dependência dos combustíveis fósseis; financiamento público para uma transição justa; taxação progressiva das grandes corporações e das elites econômicas; e a interrupção de conflitos armados que agravam vulnerabilidades ambientais e humanitárias.

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A carta exige também que os povos tenham protagonismo real na construção das políticas climáticas globais, defendendo o valor dos conhecimentos ancestrais como parte fundamental das soluções. Para os movimentos presentes, esses saberes, construídos ao longo de séculos, são essenciais não apenas para a proteção da natureza, mas para a própria sobrevivência da humanidade.
A Cúpula dos Povos, considerada o maior espaço de participação social da COP30, reuniu cerca de 70 mil pessoas, representando movimentos sociais, povos originários, populações quilombolas, pescadores, ribeirinhos, trabalhadores urbanos, marisqueiras, extrativistas, quebradeiras de coco babaçu, sindicalistas, comunidades de terreiro, população em situação de rua, mulheres, juventudes, idosos, pessoas LGBTQIAPN+ e grupos tradicionais das florestas, campos, rios e mares. A diversidade do público fez do evento uma expressão viva do mosaico sociocultural amazônico.
Organizações locais, nacionais e internacionais — cerca de 1,3 mil — contribuíram com atividades, assembleias e debates que se estenderam por cinco dias. As críticas recorrentes apontaram para a insuficiência das metas globais atuais e para a omissão de países ricos diante da responsabilidade histórica pela crise climática. Segundo os movimentos, sem mudanças estruturais profundas, o mundo dificilmente cumprirá a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C definida no Acordo de Paris.
As ruas de Belém também foram tomadas por manifestações simbólicas. Na abertura, a “barqueata” navegou pela Baía do Guajará com centenas de embarcações em defesa da Amazônia e de seus povos. No sábado, a Marcha Mundial pelo Clima reuniu novamente 70 mil pessoas, transformando a capital paraense em palco de uma mobilização marcada por cores, cantos, faixas e rituais que celebravam a força e a resistência dos povos amazônicos.
O encerramento da Cúpula manteve esse tom de celebração coletiva. Na Praça da República, o “banquetaço” ofereceu refeições preparadas por cozinhas comunitárias, marcando o fim das atividades com música, cultura e partilha — uma síntese da essência do encontro: denunciar injustiças, afirmar direitos e cultivar esperança.






































