Nos bastidores da reta final da COP30: o que está em jogo


Entrando em sua fase mais crítica, a COP30 em Belém se transforma em um tabuleiro onde ministros, negociadores e observadores mobilizam-se intensamente para traduzir ambição em decisões concretas. Na reta final deste encontro climático, aparecem dois regimes sobrepostos: a urgência técnica de fechar textos de decisão e a pressão política para impulsionar ações que ultrapassem esboços diplomáticos.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na noite do domingo (16), a presidência da conferência divulgou um resumo das consultas realizadas, destacando quatro temas centrais: elevação das metas climáticas (as chamadas NDCs, Contribuições Nacionalmente Determinadas), financiamento dos países desenvolvidos para os mais vulneráveis, a criação de uma Meta Global de Adaptação (GGA) e o trabalho sobre uma transição justa. Esses pontos foram colocados em debate com a participação de ministros de alto escalão, que agora tentam tecer consensos nos corredores e plenárias.

A previsão de especialistas é que este momento da conferência, tradicionalmente marcado pela entrada de líderes nacionais, será decisiva para que se avancem os “mapas do caminho” prometidos por alguns governos — rotas estratégicas para desmatamento zero e abandono dos combustíveis fósseis. O vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, já defendeu publicamente na COP uma implementação clara dessas estratégias, alinhando discurso nacional com as expectativas globais.

Porém, nem todos estão satisfeitos com o que está em papel até agora. Apesar das consultas demonstrarem avanços retóricos — com elogios ao multilateralismo e referências ao Acordo de Paris —, a ausência de decisões mais ousadas acende alertas entre analistas climáticos. Para a especialista Fernanda Bortolotto, da The Nature Conservancy Brasil, o documento emitido até agora falha em fornecer passos concretos para desmatamento ou para a transição energética: “Se não houver texto final que inclua esses mapas, toda a mobilização nos eventos paralelos pode não se refletir em ações.” The Nature Conservancy

Na trilha da adaptação, tema essencial para nações já vulneráveis aos impactos climáticos, o debate se mostra particularmente tenso. Um rascunho técnico já propôs 100 indicadores para medição da GGA, mas há resistência de blocos diplomáticos. O Grupo Africano, com apoio de países árabes, quer postergar a decisão final para 2027, adiantando trabalho técnico antes de assinar compromissos mais firmes. A analista Bortolotto observa que, embora o texto-base tenha sido acertado com dificuldade, falta agora coragem política para adotar esses indicadores este ano.

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Foto: Sergio Moraes/COP30

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Em paralelo, discute-se também o avanço dos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) e o fortalecimento do Fundo de Adaptação (AF, na sigla em inglês), ferramentas consideradas essenciais para viabilizar ações de resiliência nos países que mais sentem os efeitos da mudança do clima.

Outro aspecto delicado é a transição justa, tema cuja proposta é a criação de um programa de trabalho no âmbito da COP para debater justiça social e climática. Apesar de a ideia de unir transição energética com equidade social ter sido amplamente defendida, ainda não há consenso entre as partes para firmar esse programa numa decisão formal.

Para analistas como Anna Cárcamo, do Greenpeace Brasil, essa segunda semana da COP é a grande chance de converter apelos em texto robusto. Ela defende que é preciso “mais pressão política” para garantir que os mapas do desmatamento e da energia ecológica sejam mais do que promessas: que virem compromisso negociado e medido.

Em meio a essas manobras, o papel da diplomacia brasileira aparece fortalecido. Alckmin, em seu discurso na plenária de alto nível, ressaltou que o Brasil quer deixar como legado da conferência não apenas metas, mas planos concretos: “mapas de ação com avanço significativo na transição energética e erradicação do desmatamento ilegal”. Essa fala soa como um convite para que outros países façam o mesmo, dando passos sincronizados entre discurso nacional e agenda global.

Ainda assim, a tensão é palpável. A comunidade técnica já montou os esboços, mas cabe agora aos líderes dar respaldo político e assegurar que as palavras se convertam em ação. Sem isso, teme-se que a COP30 termine como muitas anteriores: repleta de declarações simbólicas, porém com poucos compromissos concretos que acelerem a implementação.

A equação é clara: ou a conferência fecha com instrumentos que permitam monitoramento, financiamento e metas mensuráveis — ou corre o risco de deixar promessas para depois, quando os impactos climáticos já estarão mais graves. A decisão final será medida não apenas por quem assinar o documento, mas por quem terá a ambição de transformar aquele pacto em política real.