Corredores de fauna: caminhos seguros onde a vida silvestre pede passagem


Nas margens de rodovias e ferrovias que cortam o Brasil, há estruturas discretas, mas vitais para o equilíbrio ecológico. São os corredores de fauna, passagens subterrâneas ou aéreas que permitem que animais silvestres cruzem estradas com segurança, preservando o fluxo da biodiversidade e reduzindo acidentes.

Foto: Gestão Ambiental BR-285/RS/SC-STE

Essas estruturas são fruto de um trabalho técnico e contínuo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento ambiental federal. Quando uma obra de infraestrutura viária atravessa um habitat natural, o órgão impõe condicionantes ambientais para mitigar os impactos sobre a fauna. É o caso dos corredores, que conciliam dois interesses públicos: o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental.

Conexões que salvam vidas

“Nos processos de licenciamento, buscamos reduzir ao máximo a fragmentação das áreas de vegetação”, explica Claudia Barros, diretora de Licenciamento Ambiental do Ibama. “Mas, quando a intersecção é inevitável, exigimos estruturas que garantam o deslocamento seguro da fauna.”

Essas passagens são projetadas a partir de critérios técnicos definidos pela equipe do Ibama — tipo de solo, espécies existentes, relevo, regime de chuvas e densidade populacional dos animais. Em trechos de Mata Atlântica, por exemplo, onde há presença de primatas, são comuns as pontes de cordas suspensas, que conectam copas de árvores sobre as estradas. Já em regiões do Cerrado ou do Pampa, que abrigam felinos e canídeos de médio e grande porte, prevalecem as passagens subterrâneas — verdadeiros túneis ecológicos que permitem travessias discretas e seguras.

Essas infraestruturas reduzem drasticamente o número de atropelamentos e a mortalidade da fauna em áreas de expansão viária. Mais do que isso, promovem a conectividade ecológica: mantêm os animais em circulação, preservam a variabilidade genética das populações e contribuem para a resiliência dos ecossistemas diante das mudanças ambientais.

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Foto: Rumo Logística

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Histórias de sucesso em todo o país

A eficiência dessas medidas é comprovada por monitoramentos e câmeras instaladas nas passagens. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, câmeras de uma concessionária de rodovias registraram a travessia de saguis e micos-leões-dourados, mostrando que as estruturas estão sendo assimiladas pelos animais. “Essas medidas ajudam a preservar a vida silvestre em áreas impactadas pela presença humana”, afirma Telma Bento de Moura, coordenadora de Licenciamento Ambiental de Transportes do Ibama.

Outro caso marcante vem de Porto Nacional (TO), onde uma passagem construída sob a ferrovia da Rumo Logística, em cumprimento às condicionantes do licenciamento ambiental, registrou em 2023 a travessia de uma família de onças-pardas — uma fêmea e três filhotes. Espécie típica do Cerrado, a onça-parda depende de grandes áreas contínuas para caçar e se reproduzir. A imagem das onças atravessando o túnel tornou-se símbolo da convivência possível entre infraestrutura e conservação.

No sul do país, o projeto da BR-285, que liga o Rio Grande do Sul a Santa Catarina, implementa uma série de passagens de fauna para proteger os animais dos campos de altitude. O graxaim-do-mato e o zorrilho, duas espécies emblemáticas da região, já foram flagrados utilizando as estruturas antes mesmo do término das obras.

“Esses corredores também ajudam a mitigar a fragmentação dos habitats e reforçam a conectividade entre populações animais”, explica o analista ambiental Mozart Lauxen, do Ibama. Ele destaca que, além de proteger os animais, as passagens beneficiam os motoristas, evitando colisões com espécies de grande porte, como antas e capivaras, que podem causar acidentes graves.

Engenharia e ecologia lado a lado

O processo de licenciamento conduzido pelo Ibama exige que o empreendedor planeje e mantenha as passagens em conformidade com as características locais. Isso inclui o uso de materiais compatíveis com o ambiente, a escolha de locais estratégicos com base em estudos de comportamento animal e a monitoria contínua por câmeras e armadilhas fotográficas.

Essas exigências são complementadas por programas de educação ambiental com trabalhadores das obras e comunidades vizinhas, reforçando o respeito à fauna e a importância da coexistência entre o progresso e a natureza.

Um modelo de política pública ambiental

Os corredores de fauna se tornaram um símbolo da integração entre engenharia e ecologia no Brasil. São exemplos concretos de como o licenciamento ambiental pode ser um instrumento de inovação sustentável, capaz de unir segurança viária, conservação da biodiversidade e responsabilidade social.

Ao exigir e fiscalizar essas medidas, o Ibama reafirma seu papel de guardião da biodiversidade brasileira — garantindo que o avanço da infraestrutura ocorra com planejamento, sensibilidade ambiental e compromisso com as futuras gerações.