Mudanças climáticas deixam de ser ameaça para serem realidade dolorosa na Amazônia


Os dados são do inquérito de percepção Mais Dados Mais Saúde: Clima e Saúde na Amazônia Legal, uma pesquisa detalhada divulgada nesta quarta-feira (8). O levantamento, conduzido pela Umane e Vital Strategies, com o apoio do Instituto Devive e disponível para consulta no Observatório da Saúde Pública, entrevistou 4.037 pessoas online entre maio e julho de 2025. Os resultados pintam um quadro urgente, mostrando como um modelo de desenvolvimento predatório e excludente tem aprofundado a pobreza e as desigualdades na região.

O Custo Humano e Econômico do Calor Extremo

Os efeitos climáticos extrapolam as questões ambientais, refletindo diretamente no bolso e na saúde dos amazônidas. Entre os entrevistados, as consequências mais sentidas são majoritariamente econômicas e de infraestrutura:

  • Aumento da conta de energia elétrica (83,4%).
  • Aumento da temperatura média (82,4%).
  • Aumento da poluição do ar (75%).
  • Maior ocorrência de desastres ambientais (74,4%).
  • Aumento do preço dos alimentos (73%).

Essa combinação de calor extremo, desastres e aumento de custos representa um ciclo vicioso, onde as famílias mais pobres, que já dependem de economias frágeis, são as primeiras a sentir o peso da crise. Luciana Vasconcelos Sardinha, diretora adjunta de Doenças Crônicas Não Transmissíveis da Vital Strategies e responsável técnica pela pesquisa, destacou que a priorização de hidrelétricas, grandes negócios agropecuários e desmatamento é a raiz do problema. “Esse modelo de desenvolvimento acaba sendo excludente e predatório, reforçando pobrezas e desigualdades. E os povos tradicionais são afetados diretamente por essas consequências”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.

Os relatos coletados pela pesquisa confirmam que o impacto não é hipotético: nos últimos dois anos, cerca de dois terços (64,7%) dos moradores viveram ondas de calor com temperaturas acima da média. Além disso, aproximadamente um terço relatou ter acompanhado eventos de seca persistente e incêndios florestais com fumaça intensa, comprometendo suas atividades diárias.

desmatamento-em-labrea-municipio-do-sul-do-amazonas-foto-victor-moriyama-amazonia-em-chamas-2021-2-400x239 Mudanças climáticas deixam de ser ameaça para serem realidade dolorosa na Amazônia
Victor Moriyama/Greenpeace

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Povos Tradicionais: Os Mais Expostos, mas Também os Mais Resilientes

Se os moradores da Amazônia Legal como um todo já sentem os efeitos, a pressão sobre os povos e comunidades tradicionais é ainda mais aguda. Além de estarem mais expostos devido à menor renda e escolaridade, a degradação ambiental afeta diretamente seus modos de vida e subsistência. Entre eles, os relatos de piora na qualidade da água (24,1%) e problemas na produção de alimentos (21,4%) são particularmente fortes, atingindo a base da sua sobrevivência.

Apesar da vulnerabilidade extrema, a pesquisa aponta para uma notável capacidade de resposta dentro dessas comunidades. A organização social, em rede e de forma comunitária, surge como um mecanismo de mitigação vital, uma verdadeira “reinvenção” em face da adversidade, conforme destaca Luciana Vasconcelos Sardinha.

Os hábitos cotidianos da população amazônida já demonstram uma crescente consciência: metade dos entrevistados (53,3%) reduziu práticas que acreditam contribuir para o problema, e 38,4% sentem culpa por desperdiçar energia. A prática de separar o lixo para reciclagem é comum (64%), chegando a 70,1% entre os povos tradicionais.

A diretora da Vital Strategies defende que a solução está em valorizar esses saberes ancestrais. “O respeito a essa diversidade cultural, que vem desses saberes (tradicionais) é muito importante quando a gente pensa em como solucionar ou melhorar a qualidade de vida”, explica.

A crise climática, portanto, demanda uma resposta que transcenda o ambientalismo isolado, exigindo políticas públicas que foquem na redução das desigualdades regionais. Para Luciana, é fundamental fortalecer as governanças para permitir um planejamento integrado, que consiga unir esforços e mobilizar os recursos necessários, que são “sempre escassos”. Um modelo de desenvolvimento sustentável e participativo, que considere o protagonismo dos povos tradicionais, é a única via para mitigar os impactos de um problema que não espera pelo futuro: “Isso não é um problema para o futuro. Isso é um problema atual e que traz muitos impactos”, conclui a responsável pela pesquisa.