Na aldeia Pradinho, na Terra Indígena Maxakali (MG), os olhares se voltaram para o futuro na manhã de 16 de outubro. Ali, representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se reuniram com o povo Tikmũ’ũn‑Maxakali, brigadistas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), autoridades do Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), além de educadores, viveiristas, pajés e lideranças locais. O encontro fez parte do seminário “Avanços e Desafios do Projeto Hãmhi Terra Viva”, concebido pelo Instituto Opaoká, e trouxe à tona uma reflexão coletiva sobre segurança alimentar, gestão ambiental e fortalecimento territorial do povo Tikmũ’ũn-Maxakali no Vale do Mucuri.

O cerne da iniciativa está na integração entre saberes indígenas e práticas agroflorestais modernas. O Projeto Hãmhi Terra Viva atua justamente nesse ponto: formar agentes agroflorestais entre os Tikmũ’ũn-Maxakali, restaurar territórios degradados e criar quintais agroflorestais que conectem alimento, floresta e cultura.
Essa articulação entre conhecimento ancestral e metodologia técnica traduz-se em mudanças concretas. Por exemplo, o seminário destacou o papel da Brigada Kõnãghi — composta por jovens indígenas — que, com EPIs (equipamentos de proteção individual) e ferramentas entregues em 2025, passou a atuar na prevenção e combate de incêndios florestais em território tradicional. A iniciativa representa uma virada: não apenas proteger a natureza, mas empoderar os próprios povos que vivem nela.
Essa proteção se conecta diretamente à segurança alimentar. No contexto dos Tikmũ’ũn-Maxakali, a vulnerabilidade alimentar está enraizada em décadas de perda territorial, degradação ambiental, monocultura e expulsão de saberes agrícolas tradicionais. Restaurar a floresta, portanto, não é apenas um ato ecológico — é um ato político, cultural e de sobrevivência. O Projeto Hãmhi Terra Viva entende isso e articula ações para que o alimento nasça no quintal e no território, sob a sombra da floresta que voltou a crescer.
Durante o seminário, foi destacada a participação de diversos atores: além de órgãos estatais e organizações indigenistas, o evento incluiu agentes agroflorestais, viveiristas, pajés, lideranças locais e professores. Essa diversidade aponta para o caráter sistêmico da iniciativa: trata-se de promover não apenas formações técnicas, mas fortalecer identidades, fortalecer autonomia e garantir que as políticas públicas estejam à altura das demandas territoriais.
A restauração ambiental é parte central do processo. O Projeto Hãmhi já alcançou resultados expressivos — segundo institutos de pesquisa e de acompanhamento, áreas degradadas começam a dar lugar a quintais agroflorestais, viveiros-escola e redes de sementes indígenas. Essas intervenções trazem benefícios múltiplos: melhora da qualidade do solo, recuperação de nascentes, aumento da biodiversidade, geração de alimento e — talvez o mais profundo — recuperação de formas de viver que estavam sendo apagadas.

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No entanto, o caminho não é isento de desafios. O seminário trouxe à tona a persistência de “combustíveis naturais” como capim-colonião e braquiária — gramíneas invasoras que impedem o crescimento da mata nativa e dificultam a agricultura tradicional. A capacitação dos brigadistas e a entrega de EPIs são passos importantes, mas o esforço requer continuidade, recursos e articulação institucional.
O valor simbólico desses movimentos também reside no reconhecimento dos direitos do povo Tikmũ’ũn-Maxakali. A gestão dos territórios, a valorização cultural, a implementação de políticas públicas voltadas ao meio ambiente, à saúde, à educação e à segurança alimentar são partes constitutivas não apenas de um projeto técnico, mas de uma agenda de justiça territorial.
O seminário, ao reunir esses múltiplos atores, representa um momento de articulação estratégica: avaliar o que já foi conquistado, identificar os obstáculos e planejar o que vem a seguir. Em última análise, trata-se de afirmar que ocupar, restaurar e produzir na floresta não é uma contradição — é a expressão concreta de uma vida que entrelaça floresta, cultura e futuro.
Ao promover esse encontro na Terra Indígena Maxakali — em uma das regiões mais vulneráveis de Minas Gerais –, a iniciativa lança uma mensagem potente: a restauração ecológica e a segurança alimentar caminham lado a lado e são inseparáveis em territórios que foram historicamente marginalizados. A floresta recuperada torna-se o laboratório da soberania alimentar indígena, e a juventude local assume um papel de protagonista.
Em um mundo em que a crise ambiental andou de braço com a desigualdade social, projetos como o Hãmhi Terra Viva evidenciam que as soluções mais eficazes nascem justamente onde o impacto é maior — e que os povos originários têm, em sua ancestralidade, recursos para pensar e executar essas respostas.











































