A estiagem que se arrasta pelo estado de São Paulo preocupa técnicos, meteorologistas e ambientalistas. O que antes era um período seco previsível entre o fim do inverno e o início da primavera agora parece se estender, atrasando a chegada das chuvas e elevando os riscos de incêndios florestais.

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) prorrogou até 31 de outubro a suspensão das queimadas controladas em todo o território paulista. A medida, que começou em agosto, abrange práticas agrícolas, queimadas de cana-de-açúcar e ações de controle de pragas. Mesmo assim, o perigo de incêndios ilegais persiste, sobretudo com a vegetação mais seca e as temperaturas em elevação.
Segundo a Defesa Civil do Estado de São Paulo, diversas regiões apresentaram, no último domingo (5), áreas em “nível roxo de emergência” — a classificação mais grave do sistema de alerta. A umidade do ar em níveis críticos e o calor intenso criam um cenário ideal para a propagação do fogo, o que ameaça não só o meio ambiente, mas também a saúde da população.
O fenômeno, segundo o técnico do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Lizandro Gemiacki, não é isolado. “O período seco tem se estendido por mais dias, e o início do período chuvoso tem sido adiado entre cinco e dez dias, empurrando as chuvas para o final da primavera”, explica. Essa mudança no calendário climático reforça uma tendência observada nos últimos anos: as estações estão se tornando menos previsíveis e mais extremas.
Um ciclo que se prolonga
Tradicionalmente, o fim do inverno marca a transição para dias mais úmidos e frescos. Entretanto, a recente persistência de períodos secos vem alterando esse padrão. A terra se torna poeira, a vegetação perde vigor e o ar fica mais pesado. A combinação de calor, vento e baixa umidade transforma qualquer fagulha em risco real de incêndio.
Gemiacki observa que é difícil isolar as causas exatas da estiagem prolongada. “Não temos como colocar a atmosfera em laboratório e separar causa e consequência. Tudo ocorre de forma interligada, e o clima responde em cadeia”, comenta.
Essa interdependência tem se mostrado cada vez mais complexa. Fenômenos globais e regionais atuam em conjunto, produzindo resultados que desafiam previsões e modelos climáticos. Entre eles estão as mudanças climáticas provocadas pela emissão de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂) e o metano (CH₄); fenômenos oceânicos de larga escala, como El Niño e La Niña; o aquecimento anômalo do Oceano Atlântico; e oscilações polares e decadais, como a Oscilação Antártica e a Oscilação Decadal do Pacífico.

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Ondas que se amplificam
O técnico do Inmet compara o comportamento do clima a um sistema de ondas. “Quando duas ondas se somam, seus efeitos se amplificam. No ano passado, por exemplo, tivemos uma longa estiagem no centro do Brasil, intensificada pelo El Niño”, explica. Essas sobreposições de eventos climáticos criam ciclos mais secos e longos, que impactam diretamente a biodiversidade, a agricultura e o abastecimento hídrico.
Com as chuvas adiadas, as queimadas — legais ou ilegais — se tornam uma ameaça ainda mais grave. Desde a suspensão decretada pela Cetesb, o objetivo é reduzir qualquer atividade que envolva fogo, uma vez que, durante a estiagem, a propagação é rápida e difícil de conter. No entanto, o controle efetivo depende de algo além de decretos: exige vigilância permanente, fiscalização e punições rigorosas para quem desrespeita as normas ambientais.
“Quando o solo está seco e o vento sopra forte, o fogo foge do controle em minutos. É essencial intensificar a fiscalização e responsabilizar quem pratica queimadas ilegais”, reforça Gemiacki.
O novo normal climático
As variações climáticas sempre existiram, mas sua intensidade recente preocupa especialistas. O “novo normal” já não é feito de previsões seguras, mas de extremos: meses de seca seguidos por tempestades intensas, calor fora de época e invernos que se encurtam. O prolongamento da estiagem é mais um sintoma desse desequilíbrio global.
No campo, agricultores enfrentam perdas de produtividade e aumento dos custos com irrigação. Nas cidades, cresce o risco de desabastecimento e problemas respiratórios devido ao ar seco e à fumaça dos incêndios. No meio ambiente, biomas inteiros, como o Cerrado paulista e fragmentos da Mata Atlântica, ficam vulneráveis à degradação irreversível.
Em meio a essas incertezas, São Paulo vive um ponto de inflexão: entre esperar pela chuva ou mudar a forma de lidar com ela. A estiagem prolongada é um aviso claro de que o clima está em transformação — e que a gestão ambiental precisa se reinventar para acompanhar o ritmo da natureza.




































