Restrição americana a dados meteorológicos comprometem o futuro das previsões climáticas mundiais


O firmamento, antes uma tela aberta de informações vitais para a compreensão dos complexos padrões climáticos do nosso planeta, agora se vê parcialmente encoberto devido a recente decisão do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (EUA), motivada por preocupações com a cibersegurança, sinaliza uma restrição no acesso global a dados meteorológicos cruciais. A partir do final deste mês, satélites gerenciados pelas Forças Armadas americanas deixarão de compartilhar com o público informações detalhadas sobre a atmosfera terrestre e os oceanos. Esta medida, anunciada pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica NOAA, um dos pilares da pesquisa climática mundial, acende um alerta em uma era de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos.

EUA

 

Uma Nuvem de Incógnitas no Horizonte Climático

 

A demanda por dados meteorológicos precisos e compartilhados globalmente nunca foi tão urgente. Em um mundo assolado por furacões devastadores, chuvas torrenciais e secas prolongadas, a capacidade de prever com antecedência esses fenômenos pode literalmente salvar vidas. O cruzamento de informações coletadas por diferentes equipamentos é a espinha dorsal de previsões confiáveis, e a lacuna criada pela decisão americana pode comprometer essa rede vital. Instituições civis de pesquisa, que antes se beneficiavam da riqueza de dados sobre tempestades, gelo marinho nas regiões polares ou as nuances das mudanças climáticas coletadas por equipamentos militares americanos, agora se veem diante de um vácuo de informação.

Screenshot-2025-07-30-184624 Restrição americana a dados meteorológicos comprometem o futuro das previsões climáticas mundiais
Incertezas nas previsões meteorológicas – Imagem: NOAA/ZUMA Press Wire/picture alliance

A suspensão do fornecimento desses dados, inicialmente prevista para o final de junho mas adiada após protestos, remonta a um contexto de cortes orçamentários. O NOAA, um gigante na pesquisa climática responsável por prever fenômenos como o La Niña ou o aquecimento dos oceanos, já havia sofrido um duro golpe em março, com a demissão de 800 funcionários durante o governo do presidente dos EUA, Donald Trump. Essa conjuntura sugere que a decisão atual, embora justificada por riscos de cibersegurança, pode ser um sintoma de uma desvalorização subjacente da colaboração e da ciência climática aberta.

 

O Coração dos Dados Suspensos: Entendendo a Perda

 

Desde a década de 1960, o programa Defense Meteorological Satellite Program DMSP dos EUA tem sido um pilar na análise de dados meteorológicos globais. Atualmente, três satélites ativos, gerenciados pela Força Aérea a partir de uma base em Nebraska, são responsáveis por coletar e disseminar diariamente informações globais sobre cobertura de nuvens, parâmetros ambientais oceanográficos e solargeofísicos. Esses dados são a base para previsões meteorológicas estratégicas que apoiam operações militares, mas sua relevância transcende o âmbito da defesa.

Para a meteorologia civil, o Operational Linescan System OLS, um radiômetro que monitora duas vezes ao dia a distribuição global e a temperatura das nuvens, é de importância particular. As informações geradas pelo Special Sensor Microwave Imager Sounder SSMIS, um radiômetro de micro ondas que mede a radiação térmica da Terra e é usado para definir perfis de temperatura, umidade e outras variáveis atmosféricas, são igualmente cruciais. Todos esses dados brutos, processados pelo Centro de Meteorologia Numérica e Oceanografia da Frota da Marinha dos EUA, eram rotineiramente disponibilizados para instituições de pesquisa e incorporados diariamente nos cálculos de previsões meteorológicas globais. A interrupção desse fluxo de informações representa uma perda significativa, cujas consequências ainda estão sendo avaliadas.

Screenshot-2025-07-30-185212 Restrição americana a dados meteorológicos comprometem o futuro das previsões climáticas mundiais
Fonte: OPEU

 

O Efeito Borboleta: Preocupações de Especialistas

 

Meteorologistas em todo o mundo estão em uma corrida contra o tempo, buscando dados alternativos e tentando recalibrar seus modelos de cálculo para compensar a ausência das informações fornecidas pelos EUA. Peter Knippertz, meteorologista do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe KIT, compara a atmosfera a um “sistema caótico”, onde “mesmo pequenas diferenças de temperatura, pressão ou vento em locais relativamente distantes e também em momentos diferentes podem ter grande impacto”. Essa complexidade ressalta a importância da análise de dados em tempo real para previsões assertivas.

Para Knippertz, a ausência dessas informações representa “uma perda estatisticamente mensurável na qualidade das previsões, já que as informações de micro ondas sobre temperatura e umidade têm um impacto desproporcionalmente grande nas previsões do tempo”. Um dos mais afetados será o centro de pesquisa americano National Snow and Ice Data Center NSIDC, que terá suas análises sobre o gelo do Ártico comprometidas. Essas análises são cruciais para definir rotas de navegação seguras e economicamente viáveis. O laboratório já planeja recorrer a dados de satélites japoneses, demonstrando a busca incessante por soluções alternativas.

A apreensão se intensifica com a aproximação da temporada de furacões no Atlântico, que tradicionalmente são monitorados com base nos satélites da NOAA. Embora o órgão afirme que a perda de dados não compromete a precisão das previsões, uma vez que outros satélites poderiam suprir essas informações, especialistas de países mais pobres expressam um temor legítimo de que essas lacunas não sejam compensadas. Em regiões onde os dados meteorológicos ainda são coletados e transmitidos manualmente, as informações fornecidas pelos militares americanos eram fundamentais para elaborar previsões confiáveis, e sua ausência pode agravar a vulnerabilidade dessas comunidades diante de eventos climáticos extremos.

 

Além dos Satélites: O Fechamento de um Observatório Histórico

 

A imprensa americana também reporta o fechamento do Observatório Mauna Loa, no Havaí, um marco na coleta de dados essenciais sobre a composição e mudanças na atmosfera terrestre desde 1958. Diferente dos satélites, essa decisão não foi justificada pelos mesmos motivos de segurança. Como o observatório é fundamental para documentar e estudar o aumento do dióxido de carbono CO₂ na atmosfera e as mudanças climáticas, críticos levantam a hipótese de motivações mais políticas por trás de seu fechamento.

Seja por questões de cibersegurança ou por outras razões, a tendência de restringir o acesso a dados científicos cruciais é preocupante. Em um momento em que a colaboração global e a compreensão profunda dos sistemas terrestres são mais necessárias do que nunca, o fechamento de canais de informação pode não apenas dificultar a pesquisa científica, mas também fragilizar a capacidade da humanidade de se adaptar e mitigar os impactos das mudanças climáticas. O véu que se estende sobre o céu não é apenas uma barreira para dados; é um desafio à cooperação e à responsabilidade coletiva diante de um futuro climático incerto.