A Europa dividida e a contagem regressiva para a COP30


Com poucas semanas até o prazo definido pela ONU para a entrega dos novos compromissos climáticos, a Europa enfrenta um impasse que ameaça corroer sua liderança no cenário internacional. Um rascunho de documento, revelado pelo The Guardian, mostra que as negociações internas seguem marcadas por lacunas e disputas políticas, sem valores definidos para as metas de redução de emissões.

Presidente Lula e Ursula von der Leyen, presidente da comissão europeia - Foto: Ricardo Stuckert

A situação preocupa porque cabe ao bloco europeu demonstrar capacidade de mobilização diante da emergência climática. Dos 196 países signatários do Acordo de Paris, apenas cerca de 30 apresentaram suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Entre eles, apenas a submissão da UE teria peso suficiente para destravar o processo e induzir outros governos a seguir o exemplo.

Niklas Höhne, cofundador do New Climate Institute, foi direto: sem números concretos, o atraso torna-se perigoso. Para ele, a Europa precisa anunciar metas ambiciosas imediatamente para preservar a credibilidade do processo multilateral.

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O dilema das metas de curto e longo prazo

O atual objetivo da União Europeia é reduzir em 55% as emissões até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Embora factível com políticas reforçadas, a atenção agora se volta ao próximo passo: a meta para 2035, que deveria pavimentar o caminho até a neutralidade climática em 2050.

Para alinhar-se à trajetória necessária, os cálculos apontam para cortes entre 74% e 78% em 2035 e algo entre 90% e 95% em 2040. Mas o documento vazado evita cravar qualquer número. Michael Petroni, analista do Climate Analytics, criticou o que descreveu como “caminho linear” entre 2030 e 2040, sugerido por gráficos anexos. Segundo ele, esse método empurra esforços decisivos para mais tarde e contraria a ciência, que exige ação intensa já na próxima década para manter viva a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Parte da dificuldade está no cronograma interno. O plano original era fixar primeiro a meta de 2040, para então derivar a NDC de 2035. No entanto, alguns países defendem inverter a ordem, o que pode resultar em compromissos mais fracos.

As tensões também refletem clivagens políticas. O presidente francês Emmanuel Macron sinalizou abertura a um adiamento, enquanto o chanceler alemão Friedrich Merz, pressionado por alianças internas, pode ceder a setores contrários a metas mais rígidas. Na Itália, a primeira-ministra Giorgia Meloni tem se posicionado contra políticas ambientais da UE, e o húngaro Viktor Orbán é conhecido por sua resistência a compromissos climáticos robustos.

Para Andreas Sieber, diretor associado de políticas globais da 350.org, essa hesitação é mais que estratégica: é um jogo político arriscado. Ele lembra que a transição energética já responde por quase um terço do crescimento econômico europeu e pode gerar empregos, atrair investimentos e ampliar a competitividade global.

O cenário internacional

O momento é crítico porque a COP30, em novembro, em Belém do Pará, já nasce cercada de tensões. Nos Estados Unidos, Donald Trump anunciou novamente a saída do Acordo de Paris, enfraquecendo a governança climática global. Esse gesto encoraja países produtores de petróleo, como Rússia e Arábia Saudita, a pressionarem por metas mais brandas. Enquanto isso, potências emergentes como China e Índia ainda não apresentaram suas NDCs, aproveitando o vácuo de liderança.

Sieber foi contundente: ao tentar suavizar a ambição, Macron e aliados de direita corroem a credibilidade europeia e traem a confiança global no Acordo de Paris.

O atraso da União Europeia não é apenas um detalhe técnico. É um teste político e moral. A cada dia sem metas claras, aumenta o risco de que a COP30 seja percebida como fracasso diplomático. Para muitos, trata-se de escolher entre a hesitação que agrada a curto prazo e a ação corajosa que pode preservar a segurança climática, energética e econômica de longo prazo.

O relógio segue correndo, e a Europa precisa decidir se continuará prisioneira de divisões internas ou se retomará o papel de liderança que o mundo espera.