A reabertura ao público do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) ganha um significado potente com a estreia da exposição “Um rio não existe sozinho”. A partir de 3 de outubro, o projeto idealizado pelo Instituto Tomie Ohtake se estenderá por dez espaços interligados aos 5,4 hectares da coleção viva do museu, uma paisagem amazônica pulsante inserida no coração urbano de Belém, que agora se converte em terreno vivo de arte e diálogo climático. A maquete virtual da obra 41 °C, assinada por Mari Nagem, surge como um dos pontos de encontro simbólicos e críticos entre arte, ciência e os alertas do presente.

A proposta curatorial parte da premissa de que nenhum elemento natural, humano ou institucional existe isolado. A exposição é construída como uma celebração interdependente: dos rios, das comunidades, dos ecossistemas, das memórias e dos saberes tradicionais. A curadora Sabrina Fontenele lembra que essa matriz simbólica não pode se dissociar da crise climática contemporânea. A floresta não é cenário passivo, mas sujeito ativo e reconhecê-la assim é reconhecer que a justiça climática depende do respeito, do diálogo e da reafirmação das vozes que historicamente protegem este território.
Para o diretor do Goeldi, Nilson Gabas Júnior, a curadoria fortalece a missão híbrida da instituição: aliar ciência e arte em territórios sensíveis. A exposição, que permanecerá até dezembro, pretende transformar o museu em palco de multiplicação de sentidos, onde visitantes se confrontem com a Amazônia como vivência estética e testemunho ecológico. Suas intervenções são todas site specific, concebidas a partir das condições naturais do parque, da fauna livre à vegetação, do microclima ao ciclo hídrico, mantendo respeito à dinâmica original do local.

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Mari Nagem, por exemplo, oferece 41 °C como síntese possível desse encontro entre dados e sensações. A obra converte o estresse hídrico do Lago Tefé (seca histórica de 2023) em paisagens térmicas que assustam e convocam. Ao transformar ciência em imagem estética, a artista propõe que o visitante veja não apenas com os olhos, mas com a pele e o silêncio. Ao lado dela, Elaine Arruda costura ventos, marés e memórias femininas; Sallisa Rosa esculpe a terra como artista-mater: água e solo dialogando; Rafael Segatto traça cartografias poéticas de navegação e ancestralidade; PV Dias projeta rastros visuais da destruição ambiental; Noara Quintana convida à reconstituição de espécies ameaçadas; Gustavo Caboco reafirma memória indígena; Déba Tacana entrelaça cerâmica ancestral e futurismo; Francelino Mesquita evoca os rios em ativismo visual. Já o Estúdio Flume propõe, através da arquitetura sensível, interfaces entre vida social e natureza local como uma ponte viva entre saberes.
No dia da abertura, o público será convidado para três mesas de diálogo no auditório Eduardo Galvão: artistas, mediadores e curadores se revezarão em reflexões performativas. Em seguida, uma visita guiada percorrerá os domínios da exposição, com presença direta dos expositores. Essa convergência entre palavra, corpo e paisagem fortalece a curadoria como gesto de hospitalidade sensível ao presente.
Em meio ao pulsar da COP30, “Um rio não existe sozinho” torna o Goeldi mais que espaço expositivo: é território vivo de visibilização e escuta da Amazônia. A parceria entre o museu e o Instituto Tomie Ohtake — viabilizada pela Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), com apoio do Nubank e patrocínio de AkzoNobel, Aché e PepsiCo — revela que a cultura pode ativar narrativas urgentes de experiência ambiental, responsabilidade pública e enfrentamento climático. Para o Goeldi, instituição centenária de pesquisa regional e memória amazônica MPEG Serviços e Informações do Brasil, a exposição expande sua materialidade institucional como território dialógico: um museu vivo que pensa e reverte o ecossistema como interlocutor.
Mais do que belas instalações ou ambientações fotogênicas, a mostra convoca à atenção: emergimos em um tempo em que a crise climática é banal, mas não irreversível. Ao conjugar arte contemporânea, saberes tradicionais, ciência e sensibilidade, o projeto reafirma que imaginar outros mundos exige tanto rigor analítico quanto abertura poética. Que o visitante saia não apenas informado, mas afetado — questionando seus limites, responsabilidades e afetos com a Amazônia. Na arquitetura das tensões entre arte e natureza, “Um rio não existe sozinho” é gesto de urgência: convoca que façamos juntos e escutemos, em cada curva do rio, a pulsação de múltiplos mundos.
SERVIÇO – Exposição “Um rio não existe sozinho”
Período: de 3 de outubro a 30 de dezembro de 2025
Local: Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi
Endereço: Avenida Gov. Magalhães Barata, 376 – São Brás, Belém (PA)
Horário de visitação: de quarta a domingo, das 9h às 16h
Ingresso: R$ 3 (valor correspondente ao ingresso do Parque)









































