O ar em Belém já carrega a densidade elétrica que precede as grandes transformações. Não é apenas o calor úmido e constante, um abraço perene da floresta, mas uma tensão expectante que se infiltra no meu acadêmico, nas ruas, nos mercados e nas conversas à beira do rio Guamá, haja vista que faltam exatamente 88 dias para a abertura da 30ª Conferência das Partes (COP30), e a capital paraense, porta de entrada da maior floresta tropical do planeta, se prepara para sediar não apenas mais uma cúpula climática, mas o que muitos analistas e diplomatas já definem como a “COP da Verdade”.

De frente com a realidade da Amazônia
Depois de anos de negociações em desertos árabes, cidades europeias e ilhas distantes, a diplomacia climática global desembarca no coração simbólico da crise. Aqui, a emergência climática não é um gráfico abstrato ou um relatório distante; ela se manifesta no ritmo do desmatamento, na sabedoria ameaçada dos povos originários e na vulnerabilidade de um bioma que regula o clima do planeta. A escolha de Belém é uma declaração em si mesma: um chamado para que o mundo encare a realidade de frente, longe do conforto asséptico dos centros de convenções tradicionais. As expectativas, por isso, são tão colossais quanto as árvores de mogno que um dia dominaram a paisagem.

O Palco Amazônico e a Pressão por Coerência
Realizar a COP na Amazônia eleva a pressão por coerência a um nível sem precedentes. A floresta viva será o pano de fundo e a principal testemunha das negociações. Delegações de quase 200 países não poderão ignorar o contexto que as cerca. A proximidade com a realidade do desmatamento, dos conflitos por terra e dos impactos diretos das mudanças climáticas sobre as comunidades tradicionais servirá como um poderoso catalisador moral.
A expectativa é que essa imersão na realidade amazônica influencie o tom e a urgência dos debates. A agenda paralela, que ocorrerá em espaços como o Parque da Cidade e a Universidade Federal do Pará, promete ser uma das mais vibrantes da história das COPs, com uma participação massiva e articulada de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e ativistas de todo o Sul Global com a Cúpula dos Povos. Eles não virão como espectadores, mas como protagonistas políticos, exigindo que suas vozes e seus conhecimentos ancestrais sejam integrados ao centro das decisões. A grande questão é se o processo formal da UNFCCC, muitas vezes hermético e burocrático, será permeável a essa energia.

A Batalha dos Trilhões: O Novo Acordo Financeiro no Centro do Furacão
No cerne técnico e político da COP30 está a definição da Nova Meta Quantificada Coletiva sobre Financiamento Climático (NCQG, na sigla em inglês). Este é, sem dúvida, o tema mais espinhoso e decisivo da conferência. A meta substituirá a antiga e notoriamente não cumprida promessa dos países desenvolvidos de mobilizar 100 bilhões de dólares anuais para apoiar as nações em desenvolvimento. O fracasso da meta anterior deixou uma profunda cicatriz de desconfiança, e o sucesso em Belém dependerá de uma nova arquitetura financeira que seja, ao mesmo tempo, ambiciosa, justa e transparente.
As negociações sobre o NCQG são uma verdadeira batalha de visões sobre justiça e responsabilidade. Os países em desenvolvimento, liderados por nações como o Brasil, a Índia e o bloco africano, argumentam que a nova meta precisa estar na casa dos trilhões de dólares anuais, refletindo o custo real da transição energética e da adaptação aos impactos já inevitáveis. Eles defendem que a maior parte desse montante deve vir de fontes públicas (orçamentos governamentais dos países ricos) e ser concedida na forma de doações, não de empréstimos que aprofundam o endividamento.
Do outro lado, os países desenvolvidos, embora reconheçam a necessidade de aumentar os valores, pressionam para que a base de contribuintes seja ampliada, incluindo grandes economias emergentes, e para que o capital privado tenha um papel central na contabilização da meta. O impasse é monumental. Definir não apenas o valor, mas também a estrutura, as fontes e os mecanismos de transparência do NCQG será o teste definitivo da solidariedade global. Sem um acordo robusto em Belém, todo o castelo de cartas do Acordo de Paris corre o risco de desmoronar, pois sem financiamento, as metas de redução de emissões se tornam inalcançáveis para a maioria dos países.

Ambição em Pauta: A Resposta ao Balanço Global
A COP30 também é o prazo final para que os países apresentem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), os planos de ação climática que detalham como cada nação pretende cortar suas emissões. Esta nova rodada de NDCs é a primeira desde a conclusão do primeiro Balanço Global (Global Stocktake) na COP28, em Dubai. O balanço foi categórico: o mundo está perigosamente fora do caminho para limitar o aquecimento a 1,5°C.
A decisão de Dubai, que pela primeira vez mencionou a necessidade de uma “transição para longe dos combustíveis fósseis”, precisa agora ser traduzida em políticas concretas e metas mensuráveis dentro desses novos planos nacionais. A expectativa é que as grandes economias, responsáveis pela vasta maioria das emissões históricas e atuais, apresentem NDCs radicalmente mais ambiciosas.
A análise desses planos será um dos grandes termômetros do sucesso de Belém. Haverá um escrutínio intenso sobre se os países estão apenas ajustando suas metas antigas ou se estão promovendo uma reestruturação profunda de suas economias. A sociedade civil e os cientistas estarão de prontidão para analisar se os planos são compatíveis com a ciência e se abordam de forma justa a eliminação progressiva do carvão, do petróleo e do gás.
O Paradoxo Brasileiro: Liderança e Contradições
Como anfitrião, o Brasil ocupa uma posição de imensa oportunidade e complexidade. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca se consolidar como um líder do Sul Global e uma potência ambiental, tendo alcançado resultados expressivos na redução do desmatamento na Amazônia. A diplomacia brasileira tem sido ativa e vocal na defesa de uma agenda ambiciosa para a COP30, especialmente no que tange a finanças e ao reconhecimento das responsabilidades dos países ricos.
Contudo, o país vive um paradoxo que espelha o dilema global. Ao mesmo tempo em que lidera a pauta da conservação, o Brasil continua a expandir sua fronteira de exploração de petróleo e gás, com planos para novas frentes em áreas ambientalmente sensíveis, como a Margem Equatorial, próxima à foz do Rio Amazonas. Essa dualidade será inevitavelmente questionada em Belém. A capacidade do Brasil de navegar essa contradição e de apresentar um exemplo crível de transição justa será fundamental para sua credibilidade como presidente da COP.

Com 88 dias no relógio, Belém se prepara para um evento que transcenderá a diplomacia. Será um encontro de mundos, um choque de realidades e uma encruzilhada para o futuro climático. As decisões tomadas aqui, sob a sombra da floresta e o testemunho de seus povos, determinarão se a humanidade pode, de fato, alinhar suas ações com suas promessas. O mundo estará observando, esperando que a verdade que emana da Amazônia seja suficiente para, finalmente, nos mover na direção certa.
Repercussões nos preços das hospedagens
Hotéis e acomodações em Belém elevaram os valores das diárias em até 10 a 15 vezes em relação ao normal, com algumas opções ultrapassando US$ 600 por noite, com isso, delegações de países em desenvolvimento alegam que os custos inviabilizam sua participação. Uma carta assinada por mais de 25 países chegou a pedir a mudança da sede do evento.
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, alertou que a exclusão de países por questões financeiras pode comprometer a legitimidade dos acordos firmados. Marina Silva e outros representantes do governo federal afirmaram que estão trabalhando para tornar os preços “compatíveis e justos”. Uma plataforma oficial foi lançada com opções mais acessíveis, mas ainda enfrenta críticas pela qualidade e exigências de reserva. O Observatório do Clima alertou que os preços elevados ameaçam tornar a COP30 a menos inclusiva da história, afastando representantes da sociedade civil global.
Os representantes do setor hoteleiro do Pará acusaram o governo de desorganização e afirmaram que cumpriram as demandas iniciais, culpando a Secretaria da COP30 pela falta de coordenação.
A COP30 está marcada para novembro de 2025, e apesar das tensões, o governo brasileiro reafirma que “não há plano B”, o evento será em Belém. A crise de hospedagem se tornou um símbolo dos desafios logísticos e diplomáticos que cercam a conferência.







































