Óxidos de ferro fortalecem a captura de carbono nos ecossistemas de manguezal

Pesquisa inovadora revela como óxidos de ferro em solos alagados de manguezais são cruciais para a captura eficiente de carbono, abrindo novas portas para combater as mudanças climáticas.


Em uma era onde a busca por soluções para as mudanças climáticas se torna cada vez mais premente, a ciência nos brinda com descobertas que podem redefinir nossa abordagem através de uma pesquisa recente.

pesquisa

A pesquisa

Empregando uma metodologia verdadeiramente inovadora, o estudo desvendou mecanismos ocultos que capacitam os solos alagados de áreas costeiras, como os manguezais, a reter carbono com uma eficiência notável. Ao aprofundar a compreensão desse processo fundamental, o estudo não apenas ilumina um fenômeno natural complexo, mas também acende uma chama de esperança, revelando um leque de oportunidades na busca por ferramentas para enfrentar os impactos negativos das mudanças climáticas que são resultantes da ação humana sobre o uso da terra.

Screenshot-2025-07-28-020447 Óxidos de ferro fortalecem a captura de carbono nos ecossistemas de manguezal
Coleta de solo e gases em área de manguezal convertida para pastagem (foto: Angelo Fraga Bernardino/Universidade Federal do Espírito Santo)

Os manguezais são há muito tempo reconhecidos pela comunidade científica como alguns dos ecossistemas mais eficazes do planeta na captura de gases de efeito estufa, superando até mesmo a exuberância de florestas tropicais, como a Amazônia. Tradicionalmente, essa capacidade extraordinária era atribuída sobretudo à ausência de oxigênio nesses ambientes singulares. A carência de oxigênio retarda significativamente a decomposição da matéria orgânica, o que, por sua vez, limita a liberação do dióxido de carbono CO2, um dos principais vilões do aquecimento global. Contudo, essa nova investigação adiciona uma camada de complexidade e otimismo a essa compreensão.

A química oculta da estabilização de carbono

O estudo, que teve suas descobertas minuciosamente detalhadas e publicadas na prestigiada revista Nature Communications, traz à luz um papel até então subestimado: o dos óxidos de ferro de baixa cristalinidade.

Minerais como a ferri hidrita e a lepidocrocita, abundantes nos solos dos manguezais, atuam como verdadeiros estabilizadores do carbono orgânico do solo. Eles funcionam como escudos protetores, blindando as frações mais instáveis do carbono aquelas que os biogeoquímicos chamam de “lábeis”. Sem essa proteção, essas frações estariam vulneráveis à decomposição biológica, um processo que invariavelmente culminaria na liberação do CO2 para a atmosfera. A relevância dessa descoberta é ainda mais acentuada quando consideramos as intervenções humanas.

Quando ocorre uma mudança no uso da terra em áreas de manguezal, seja para a construção de tanques de camarões ou para a expansão da pastagem, situações infelizmente comuns e registradas nas áreas analisadas pela pesquisa, o impacto é drástico. Tais alterações promovem uma transformação profunda no ambiente geoquímico do solo, levando à sua oxidação ou acidificação. Esse desequilíbrio, por sua vez, desencadeia a metamorfose dos minerais óxidos de ferro menos cristalinos em formas mais cristalinas. O problema é que essas formas cristalinas são notavelmente menos eficazes na estabilização do carbono orgânico, diminuindo a capacidade de “segurar” esse carbono no solo.

A cristalinidade, vale ressaltar, não é um mero detalhe técnico. Ela se refere à maneira como os átomos estão organizados no material, dispostos de forma repetitiva e ordenada, criando uma estrutura tridimensional que impacta diretamente as propriedades físicas e químicas do material. A forma como esses óxidos de ferro se estruturam é, portanto, diretamente proporcional à sua eficácia em proteger o carbono.

Screenshot-2025-07-28-021458 Óxidos de ferro fortalecem a captura de carbono nos ecossistemas de manguezal

Inovação metodológica e quebra de paradigma

O pesquisador Francisco Ruiz, do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo Esalq USP, é um dos cérebros por trás dessa pesquisa revolucionária. Em declaração à Agência FAPESP, Ruiz enfatiza as inovações trazidas pelo estudo.

“Nosso estudo traz inovações importantes. Uma delas está na metodologia que criamos. Usamos técnicas já estabelecidas, mas que, em uma sequência inovadora, nos permitiram inferir a importância do ferro na estabilização do carbono. Outro ponto de destaque foi conseguir demonstrar o mecanismo envolvido na proteção das frações mais lábeis da matéria orgânica”, explica o cientista.

Para alcançar tais insights, o grupo de pesquisa empregou uma combinação sofisticada de técnicas analíticas. Utilizaram a espectroscopia no infravermelho, que investiga as interações entre a matéria e a radiação, a análise térmica TG DSC thermogravimetric differential scanning calorimetry e a extração química seletiva. As amostras foram coletadas no estuário Mocajuba Curuçá, uma região costeira de inestimável valor ambiental localizada no Estado do Pará, a leste da foz do rio Amazonas. Essa localização estratégica permitiu um estudo aprofundado em um dos maiores e mais complexos sistemas de manguezais do mundo.

Francisco Ruiz, primeiro autor do artigo na Nature Communications, tem seu trabalho apoiado por uma bolsa da FAPESP projeto 23/06841 9. A FAPESP também contribuiu significativamente para a pesquisa por meio do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa RCGI e do Centro de Pesquisa em Carbono na Agricultura Tropical CCARBON, destacando o apoio institucional à ciência de ponta no Brasil.

O engenheiro agrônomo Tiago Osório Ferreira, orientador de Ruiz e autor correspondente do estudo, não hesita em classificar os resultados como uma “quebra de paradigma”. Em sua análise, o professor da Esalq pontua:

“O estudo avança na compreensão real de como os solos dos manguezais funcionam como drenos de carbono em um cenário importante de mudanças climáticas e busca por estratégias para mitigação de seus efeitos. Quando entendemos os processos por trás da estabilização, é possível vislumbrar que tipo de uso da terra é mais ou menos nocivo, além da possibilidade de potencializar ou frear determinados mecanismos para ter uma estabilização de carbono mais eficiente e menor emissão de gases de efeito estufa”. Essa visão estratégica demonstra como a pesquisa básica pode se traduzir em aplicações práticas para o manejo ambiental.

Tiago Osório Ferreira, que dedica mais de 25 anos à pesquisa em manguezais, atualmente coordena o projeto “BlueShore Florestas de Carbono Azul para mitigação de mudanças climáticas offshore”, desenvolvido no âmbito do RCGI. Entre os ambiciosos objetivos dessa iniciativa estão o estudo aprofundado dos mecanismos de sequestro e estabilização de carbono nos solos, a criação de um índice de saúde do solo para classificar regiões mais ou menos degradadas, e a análise de como a biodiversidade dos manguezais responde a maiores concentrações de CO2.

A inestimável importância dos mangues para o planeta

Os mangues, frequentemente chamados de “florestas de carbono azul”, são verdadeiros sumidouros naturais. Sua capacidade de capturar e armazenar carbono é tão significativa que as emissões provenientes da perda de vegetação de manguezais na Amazônia Legal, por exemplo, poderiam ser até três vezes superiores às registradas em uma área equivalente de floresta terrestre. Isso significa que deter o desmatamento desses ecossistemas evitaria a emissão de CO2 na ordem de 1.228 toneladas por hectare, um dado que ressalta a urgência da proteção desses biomas. A inclusão dos mangues amazônicos no programa REDD+ do Brasil é um passo fundamental nessa direção.

Para conscientizar a população global sobre a importância desses ecossistemas costeiros e a imperiosa necessidade de sua proteção, as Nações Unidas instituíram o 26 de julho como Dia Mundial de Proteção aos Manguezais. Uma data que, em Belém do Pará, adquire um significado ainda mais especial, dada a riqueza de mangues na região.

O Brasil ostenta a segunda maior área de manguezal do mundo, com aproximadamente 1,4 milhão de hectares distribuídos ao longo de sua extensa faixa costeira. É também o lar do maior trecho contínuo, que se estende entre os estados do Amapá e do Maranhão, um tesouro natural de valor incalculável. Contudo, estimativas preocupantes indicam que 25% dos manguezais em todo o país foram destruídos desde o início do século 20. Esse processo de degradação pode ser acelerado por fatores como o aumento do nível do mar, as próprias mudanças climáticas e a maior frequência de eventos extremos, além do desmatamento e da expansão urbana desordenada.

A importância dos manguezais transcende a regulação climática. Cerca de 500 mil brasileiros dependem diretamente dos recursos desses ecossistemas para sua sobrevivência, incluindo pescadores artesanais, marisqueiros e extrativistas, que veem nesses ambientes seu sustento e sua cultura. Com uma biodiversidade exuberante, abrigando mais de 770 espécies de fauna e flora, essas áreas também são vitais para a pesca comercial, servindo como berçário para o estágio inicial de desenvolvimento de inúmeros tipos de peixes.

“O problema não está na coleta do caranguejo ou no extrativismo, mas sim na ruptura do equilíbrio biogeoquímico, quando há remoção de vegetação ou mudança inadequada de uso da terra. Nesse sentido, a pesquisa também joga luz sobre a importância da conservação e do controle do uso do solo em manguezais”, complementa Ferreira, ressaltando que a intervenção humana desequilibrada é a verdadeira ameaça.

O estudo enfatiza que os esforços de restauração desses ecossistemas devem ir muito além do simples reflorestamento. É fundamental incorporar estratégias inovadoras para restaurar o equilíbrio geoquímico do solo. A recuperação natural dos minerais dos solos de manguezais é, em geral, um processo lento, dificultado por erosões e degradação preexistentes. Portanto, a ação humana consciente e embasada em ciência é crucial para acelerar essa recuperação.

Construindo o conhecimento do solo

Francisco Ruiz destaca que, na ciência de solos bem drenados, como os de floresta, as técnicas empregadas em seu trabalho são aplicadas com maior frequência do que em regiões de solos alagados. “Para os manguezais, estamos no início das avaliações dessa interação do ferro com carbono. Comecei a me debruçar na análise de mecanismos de estabilização nas interações organominerais ao estudar os tecnossolos”, compartilha o pesquisador, revelando a complexidade e a novidade de sua área de estudo.

A jornada acadêmica de Ruiz é marcada por excelência. Durante seu mestrado e doutorado, ele se dedicou ao estudo de tipos de solos construídos tecnossolos, capazes de recuperar áreas degradadas. Seu empenho e suas descobertas foram reconhecidos com o Prêmio Tese Destaque USP em Ciências Agrárias e o Prêmio Capes de Tese Edição 2024 com menção honrosa em Ciências Agrárias I, selos de reconhecimento que atestam a relevância e o impacto de sua pesquisa.

O artigo científico que detalha essas importantes descobertas, intitulado “Iron’s role in soil organic carbon (de)stabilization in mangroves under land use change”, está disponível para leitura e aprofundamento em www.nature.com/articles/s41467-024-54447-z. As informações contidas ali são um farol para futuras pesquisas e políticas públicas, reforçando a importância de olharmos para a natureza com mais atenção e compreendermos seus segredos para o bem de todos.

Fonte: Agência FAPESP