A polêmica suspensão da Moratória da Soja antes da COP30


Em uma reviravolta que acende um sinal de alerta para o futuro da Amazônia, a Moratória da Soja, um dos pilares da conservação florestal nas últimas duas décadas, foi suspensa. A decisão, tomada pela superintendência-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), marca um retrocesso significativo na luta contra o desmatamento no Brasil, a poucos meses da COP30, evento que colocará o bioma no centro das discussões globais.

Moratoria da Soja Foto divulgacao

A suspensão do acordo, em vigor desde 2006, é vista como um revés para o país e para o planeta. A Moratória proibia a comercialização de soja cultivada em áreas desmatadas na Amazônia após 2008. Foi um pacto entre empresas exportadoras e a sociedade civil, que se tornou uma ferramenta crucial para desassociar a produção agrícola da destruição da floresta. Ao longo de quase 20 anos, o acordo provou ser um modelo de sucesso, mostrando que é possível conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental.

Os números não deixam margem para dúvidas. Enquanto o desmatamento nos municípios monitorados pelo acordo caiu 69% entre 2009 e 2022, a área plantada com soja no bioma Amazônia disparou, com um crescimento de 344% no mesmo período. O Brasil, nesse intervalo, consolidou sua posição como o maior exportador global de soja, respondendo por mais de um terço da produção mundial. Esses dados desmentem a narrativa de que a Moratória seria um entrave ao desenvolvimento do agronegócio. Pelo contrário, ela fortaleceu a imagem do país no mercado internacional, garantindo acesso a consumidores cada vez mais exigentes em relação à origem dos produtos.

A decisão do CADE de suspender o acordo, alegando possível prática anticompetitiva, ignora não apenas a eficácia da Moratória, mas também o seu papel fundamental na construção de uma cadeia de produção mais responsável. Ao silenciar o direito do consumidor de escolher produtos que não contribuem para a devastação, a medida não apenas estimula o desmatamento, mas também força os mercados a aceitarem soja de origem questionável. A decisão cria um precedente perigoso, desestimulando outras iniciativas voluntárias que buscam ir além da legislação vigente para reduzir o impacto da agricultura no meio ambiente.

imagem_materia-senado-400x265 A polêmica suspensão da Moratória da Soja antes da COP30
Votação pela suspensão da moratória por: Jefferson Rudy/Agência Senado

A pressão pela decisão

Para Cristiane Mazzetti, coordenadora de florestas do Greenpeace Brasil, a suspensão é um “tiro no pé”. A menos de três meses da COP30, o Brasil arrisca sua credibilidade internacional e enterra qualquer chance de cumprir suas metas climáticas. O fim da Moratória da Soja abriria caminho para que a commodity voltasse a ser um dos principais motores do desmatamento na Amazônia, uma ameaça que havia sido significativamente mitigada pelo acordo.

A suspensão do acordo é o resultado de uma campanha de pressão de setores do agronegócio e seus aliados políticos, que buscam enfraquecer leis e regulações ambientais. Estados como Mato Grosso, Rondônia e Maranhão já haviam aprovado leis que restringem incentivos fiscais para empresas com compromissos voluntários de proteção ambiental mais ambiciosos do que o mínimo legal. A abertura de uma investigação pelo CADE, apurando se a Moratória configura uma prática anticompetitiva, foi o passo que levou à suspensão preventiva.

A Moratória da Soja não surgiu do nada. Foi uma resposta a uma forte campanha do Greenpeace, em 2006, que expôs o papel da expansão da soja no desmatamento da Amazônia. O acordo inicial entre grandes exportadoras de soja, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), foi fortalecido em 2008 com a adesão do governo brasileiro. A parceria entre indústria, ONGs e governo provou ser eficaz para eliminar o desmatamento da cadeia de fornecimento. Em 2016, a Moratória foi renovada por tempo indeterminado, consolidando seu status de modelo para a conservação.

Diante do cenário atual, o Greenpeace Brasil manifesta a esperança de que a decisão do CADE seja revista. O apelo é para que a Moratória seja retomada e que acordos multissetoriais com a mesma ambição sejam criados, reforçando o compromisso de todos os setores com a responsabilidade socioambiental. O caminho do desenvolvimento não precisa passar pela destruição da natureza. A experiência da Moratória da Soja demonstra que é possível construir um futuro em que a produção agrícola e a conservação florestal andem de mãos dadas, garantindo prosperidade econômica e um planeta mais saudável para as futuras gerações.
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