A transição justa ainda não chegou: menos de 3% do financiamento climático apoia trabalhadores e comunidades


Às vésperas da COP30 em Belém, um novo relatório da ActionAid International revela um dado alarmante: apenas 2,8% do financiamento climático global apoia iniciativas de transição justa, conceito que busca garantir que a mudança para uma economia verde proteja trabalhadores, mulheres e comunidades afetadas pela crise climática. O estudo, intitulado Climate Finance for Just Transition: How the Finance Flows, aponta para uma desconexão crescente entre o discurso climático e a realidade vivida pelas populações na linha de frente da emergência ambiental.

Fernando Frazão/Agência Brasil

A pesquisa analisou dados de dois dos principais fundos internacionais de clima — o Green Climate Fund e o Climate Investment Funds — e revelou que apenas um em cada 50 projetos (1,96%) incorpora de forma efetiva os princípios da transição justa. Em termos práticos, isso significa que somente um dólar em cada 35 investidos globalmente contribui para ações que conciliam justiça social e proteção ambiental.

Para a ActionAid, essa lacuna revela que as comunidades mais vulneráveis continuam sendo negligenciadas enquanto o planeta tenta conter o colapso climático. O relatório defende que o avanço para energias renováveis e práticas agrícolas sustentáveis só será legítimo se houver participação social, capacitação e proteção de empregos e direitos.

Arthur Larok, secretário-geral da ActionAid International, foi direto ao ponto: “O mundo precisa agir contra o colapso climático, mas quem deve pagar essa conta são os grandes poluidores, não os trabalhadores nem as comunidades que já sofrem com os impactos.”

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Brasília (DF) 30/06/2025 – Mosaico de alimentos decora a cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2025/2026 – Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Segundo Larok, o subfinanciamento da transição justa “coloca as necessidades das pessoas no fim da fila” e ameaça aprofundar desigualdades. Teresa Anderson, autora do relatório e líder global de Justiça Climática da organização, reforça: “Ninguém deveria ter que escolher entre ter um emprego e viver em um planeta seguro. Quando a transição ignora as pessoas, o resultado é pobreza, resistência e atraso nas ações climáticas.”

O documento também denuncia práticas destrutivas em países do Sul Global — especialmente no setor de agricultura industrial e combustíveis fósseis —, que continuam devastando ecossistemas e comunidades tradicionais. Um exemplo citado vem do Maranhão, na região amazônica do Brasil, onde famílias quebradeiras de coco babaçu, que há gerações vivem do extrativismo sustentável, enfrentam pressões de fazendeiros e empresários para abandonar o território e abrir espaço à expansão de monoculturas de soja, milho e criação de gado.

Uma moradora da comunidade de Timbiras, que pediu anonimato, relata que aviões e drones lançaram agrotóxicos sobre as famílias por três anos consecutivos, causando sintomas como náusea, tontura e irritações na pele. Apesar de a prática ter sido posteriormente proibida, a fiscalização segue precária e o desmatamento avança.

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Fernando Frazão/Agência Brasil

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Jessica Siviero, especialista em Justiça Climática da ActionAid Brasil, resume o dilema: “A Amazônia é o pulmão do planeta e o Cerrado são as suas veias. A chegada da COP30 a Belém precisa expor o papel da agricultura industrial na destruição desses biomas. É urgente migrar para modelos agroecológicos que alimentem as pessoas e resfriem o planeta. A transição justa também deve incluir o campo.”

A poucos dias do início da conferência, a organização defende a criação de um “Mecanismo de Ação de Belém” para coordenar globalmente as estratégias de transição justa. A proposta prevê um sistema de governança que promova aprendizagem compartilhada, financiamento direcionado e apoio técnico para a implementação de políticas nacionais.

Para Teresa Anderson, este é o momento de corrigir o rumo: “A COP30 pode ser o ponto de virada para alinhar justiça social e ação climática. Precisamos de um plano global de transição justa que apoie os que estão na linha de frente e inspire uma resposta global mais humana e eficaz.”

A ActionAid atua em mais de 40 países e é reconhecida por seu trabalho de combate à pobreza e à desigualdade, com foco em direitos humanos, igualdade de gênero e justiça climática. Ao lançar o relatório, a entidade faz um alerta e um chamado: sem colocar as pessoas no centro das decisões, não haverá transição, nem justiça, nem futuro.