Fitoterápico nanotecnológico com DNA da Amazônia pode frear o avanço do Alzheimer


A cada três segundos, um novo caso de demência é diagnosticado no mundo. No Brasil, mais de um milhão de pessoas convivem com o Alzheimer, doença neurodegenerativa que compromete memórias, histórias e vínculos familiares. O custo econômico é igualmente devastador: segundo estimativas, o impacto anual ultrapassa 96 bilhões de reais em internações, medicamentos e cuidados indiretos. Em meio a esse cenário, um projeto desenvolvido no país, com base em insumos amazônicos e nanotecnologia de ponta, surge como promessa de inovação científica e de soberania nacional.

Expedição identifica no coração da Amazônia amostras para a pesquisa

O trabalho é liderado por Eduardo Caritá, pesquisador e executivo à frente da empresa Funcional Mikron, e combina duas substâncias bioativas conhecidas, mas até hoje pouco exploradas de forma conjunta: a marapuama, árvore da floresta amazônica tradicionalmente usada como tônico cerebral, e a curcumina, polifenol extraído da cúrcuma e famoso por propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. O diferencial está na tecnologia empregada. Encapsulados em nanopartículas, os compostos conseguem atravessar a barreira hematoencefálica e atingir o parênquima cerebral, algo raro em soluções orais.

“É um projeto que une tradição e ciência de ponta. Conseguimos comprovar que os princípios ativos chegam ao hipocampo, área central para a memória e a primeira a ser atacada pelo Alzheimer”, explica Caritá. A inovação já passou por testes pré-clínicos in vitro e in vivo, todos validados pela FAPESP no âmbito do PIPE, programa de apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação.

O desafio do cérebro como fortaleza

A barreira hematoencefálica é uma espécie de filtro natural que protege o cérebro contra substâncias nocivas presentes no sangue. Para a medicina, essa muralha protetora é também um dos maiores obstáculos. Muitos fármacos simplesmente não conseguem atravessá-la, o que limita tratamentos para doenças neurológicas como Parkinson, epilepsia e Alzheimer.

Nesse contexto, a nanotecnologia aplicada ao projeto se destaca. Ao encapsular as moléculas de marapuama e curcumina em partículas com dimensões da ordem de nanômetros, os pesquisadores criaram um veículo capaz de transpor essa barreira com eficácia e segurança. Seis horas após a ingestão oral, testes laboratoriais confirmaram a presença dos compostos no hipocampo de animais, resultado que raramente se observa em formulações tradicionais.

“Poucos suplementos ou medicamentos atingem o cérebro por via oral com essa precisão. É um marco para a ciência brasileira”, afirma Caritá.

Do saber tradicional à inovação farmacêutica

A marapuama (Ptychopetalum olacoides) é usada há séculos por povos indígenas amazônicos para estimular a memória e combater a fadiga mental. Estudos recentes demonstram que seus diterpenos clerodanos estimulam a produção de fatores neurotróficos como BDNF, essenciais para a neurogênese e a plasticidade cerebral.

Já a curcumina, extraída da cúrcuma (Curcuma longa), tem sido objeto de centenas de pesquisas ao redor do mundo. Suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias a tornaram candidata natural para estudos em doenças neurodegenerativas. A substância inibe a formação de placas beta-amiloides, estruturas tóxicas ligadas ao Alzheimer.

O ineditismo do projeto está em unir esses dois compostos e potencializar seus efeitos por meio da nanotecnologia. “É a ciência traduzindo conhecimentos tradicionais em soluções modernas, sustentáveis e escaláveis”, resume Caritá.

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Fluorescência, pesquisa evidencia que o composto atingiu o cérebro de ratos 6 horas após ingestão por via ora

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Validação científica e próximos passos

O projeto contou com apoio técnico de universidades como USP, UNESP e UNIFESP. A integração entre empresa e academia foi destacada no relatório aprovado pela FAPESP, que reconheceu a inovação como viável para escalonamento industrial.

O próximo passo é a realização de ensaios clínicos em humanos, para os quais já foi submetido um pedido de apoio financeiro ao Ministério da Saúde, via Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL). O cronograma prevê três fases de testes clínicos, modernização da fábrica para padrão farmacêutico, documentação regulatória e monitoramento contínuo por instituições parceiras.

Se aprovado, o suplemento poderá ser incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS), tornando-se acessível à população brasileira e reforçando a lógica de inovação inclusiva.

Impactos esperados

Os impactos vão muito além do campo médico. Cientificamente, a pesquisa pode resultar em patentes nacionais e consolidar o Brasil como referência em bioeconomia aplicada à saúde. Socialmente, a expectativa é de melhoria na qualidade de vida de milhões de pessoas e redução da dependência de medicamentos importados.

Do ponto de vista econômico, o potencial é enorme. O Alzheimer custa mais de 96 bilhões de reais ao país por ano. Uma solução preventiva ou de retardamento da progressão da doença poderia economizar bilhões em gastos hospitalares e aliviar o peso financeiro sobre famílias.

Há também o impacto ambiental e simbólico. A marapuama é proveniente de manejo sustentável na Amazônia, o que valoriza a floresta em pé e cria uma cadeia produtiva baseada na bioeconomia. “É a floresta oferecendo soluções para problemas globais sem precisar ser derrubada. É desenvolvimento com preservação”, enfatiza Caritá.

Entre ciência e política

O lançamento do projeto acontece em um momento emblemático. Belém se prepara para receber a COP30 em novembro, quando a Amazônia será vitrine mundial para discussões sobre clima, florestas e sustentabilidade. Inserir um produto de saúde baseado em insumo amazônico nesse contexto amplia seu alcance simbólico.

O suplemento não é apenas mais uma inovação farmacêutica. É a demonstração de que a biodiversidade amazônica pode gerar respostas de alto impacto para desafios universais, desde que associada a políticas de ciência e tecnologia consistentes.

“Em tempos de COP, mostrar que a floresta em pé tem valor econômico, social e científico é fundamental. Esse projeto é exemplo disso”, avalia Fabrízio Gammino, executivo que acompanha o desenvolvimento da pesquisa desde os primeiros passos.

O que está em jogo

O Alzheimer é uma doença sem cura conhecida. Tratamentos atuais atuam apenas em sintomas ou retardam parcialmente a progressão. A possibilidade de uma solução natural, acessível e sustentável gera expectativas elevadas, mas também exige cautela. Os ensaios clínicos serão decisivos para comprovar a eficácia e a segurança em humanos.

Mesmo assim, o caminho percorrido até aqui já coloca a pesquisa brasileira em posição de destaque. Poucos países do Sul Global conseguem transformar sua biodiversidade em inovação de fronteira, capaz de competir com gigantes da indústria farmacêutica internacional.

O fitoterápico nanotecnológico à base de marapuama e curcumina representa mais que uma aposta científica. É a tradução de um modelo de desenvolvimento que une conhecimento tradicional, biodiversidade e inovação tecnológica. É também uma resposta do Brasil à crise sanitária global provocada pelo Alzheimer, uma doença que ameaça não só a saúde individual, mas a estrutura econômica e emocional de milhões de famílias.

Às vésperas da COP30, a mensagem que emerge é clara. O Brasil pode liderar não apenas no discurso ambiental, mas também na prática, transformando recursos da floresta em soluções que impactam o mundo inteiro. Da Amazônia ao laboratório, da ciência à política pública, a fórmula contra o Alzheimer é também uma fórmula de futuro.