Se a Amazônia fosse uma orquestra, o desmatamento seria o silêncio imposto aos seus instrumentos principais. Uma nova pesquisa da Universidade de São Paulo mostra que essa floresta, longe de ser apenas um símbolo verde no mapa, vem sofrendo uma transformação profunda: está ficando mais quente, mais seca e, talvez o mais grave, menos capaz de se proteger.

Pela primeira vez, cientistas brasileiros conseguiram medir com precisão o impacto combinado do desmatamento e das mudanças climáticas globais sobre o clima da Amazônia. O estudo, publicado na revista Nature Communications, cobre 35 anos de dados — de 1985 a 2020 — e revela que não estamos apenas perdendo árvores. Estamos perdendo um sistema climático inteiro, que regula chuvas, umidade, temperaturas e equilíbrios ecológicos em escala continental.
De tudo que os pesquisadores descobriram, talvez o mais impressionante seja a proporção do estrago: quase três quartos da queda nas chuvas da estação seca são resultado direto do desmatamento. A floresta, que antes convocava as chuvas, agora é incapaz de sustentar os próprios ciclos hídricos. E nas regiões mais impactadas, a temperatura subiu até dois graus. Não por causa de fenômenos distantes, mas porque a cobertura vegetal foi destruída aqui mesmo.

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O que acontece sem as florestas?
Luiz Augusto Toledo Machado, físico da USP e colaborador do Instituto Max Planck, diz que o estudo conseguiu distinguir os efeitos locais dos impactos provocados pelas emissões globais. As mudanças climáticas, impulsionadas principalmente pela poluição do Hemisfério Norte, também estão em ação. Mas é o desmatamento no território brasileiro que está amplificando a crise. Uma espécie de fatura ambiental interna que o país está começando a pagar com secas severas, colapsos agrícolas e perda de resiliência ecológica.
A floresta, segundo os pesquisadores, sofre mais nos primeiros cortes. Os efeitos climáticos mais intensos ocorrem nos estágios iniciais do desmatamento, entre 10% e 40% de cobertura perdida. E o Brasil já ultrapassou essa faixa. Desde 1985, a Amazônia brasileira perdeu cerca de 14% de sua vegetação nativa, uma área de 553 mil km². A principal causa? A conversão em pastagens.
Mas por que isso importa agora, em 2025? Porque estamos vendo, em tempo real, os sinais de um sistema que começa a falhar. Secas mais longas, chuvas fora de época, incêndios que se multiplicam com facilidade. A estação seca, que vai de junho a novembro, já mostra sinais de prolongamento. E os chamados “rios voadores” — massas de vapor que partem da floresta para abastecer outras regiões — estão se tornando menos vigorosos.
Ao usar dados de sensoriamento remoto, classificações do MapBiomas, medições de gases de efeito estufa e simulações de clima, os cientistas mapearam um panorama que não é apenas técnico. É profundamente humano. Trata-se de entender como uma floresta tropical, a maior e mais biodiversa do planeta, está sendo empurrada para um ponto de inflexão. E como essa mudança local se conecta a tudo: à agricultura no Sudeste, à disponibilidade de água no Cerrado, à estabilidade climática de um continente.
Os pesquisadores também mostraram que o aumento de gases como o dióxido de carbono e o metano foi esmagadoramente impulsionado por emissões globais. Mas há um paradoxo amargo: ao desmatar, o Brasil reduz a capacidade da própria Amazônia de absorver esses gases. É como sufocar quem ainda poderia respirar por nós.
Essa pesquisa chega num momento emblemático. Em novembro, Belém receberá a COP30 — a maior conferência climática do mundo. O estudo da USP não é apenas uma advertência. É um convite à lucidez. Um chamado para olhar para dentro antes de apontar o dedo para fora.
A floresta ainda fala. Mas sua voz está ficando rouca. E talvez essa seja a última chance de ouvi-la com clareza.












































