Fracking no centro do debate ambiental e jurídico
A exploração de gás natural por meio do fraturamento hidráulico voltou ao centro do debate público no Brasil, reacendendo tensões entre interesses energéticos, compromissos climáticos e a proteção dos recursos naturais. Em audiência pública realizada no Superior Tribunal de Justiça – STJ, pesquisadores, ambientalistas e representantes da sociedade civil alertaram para os riscos ambientais, sanitários e climáticos associados ao fracking, técnica usada na extração de gás não convencional preso em rochas de baixa permeabilidade.

O método consiste na injeção, em altíssima pressão, de uma mistura de água, areia e produtos químicos no subsolo para provocar fissuras em rochas do tipo folhelho, também conhecidas como xisto. Essas fraturas permitem que o gás escape e seja captado na superfície. Embora amplamente difundida em países como os Estados Unidos, a técnica é considerada mais complexa e arriscada do que a exploração convencional de gás natural.
No Brasil, tentativas de introduzir o fracking remontam a 2013, quando a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP realizou uma licitação que concedeu blocos para pesquisa e exploração nos estados do Paraná e São Paulo. A iniciativa, no entanto, foi barrada por ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal – MPF, o que, na prática, suspendeu seus efeitos. A audiência no STJ busca reunir subsídios técnicos e científicos para orientar o julgamento definitivo sobre o tema.
Água, química e riscos invisíveis no subsolo
Entre as críticas mais contundentes está o consumo hídrico extremo exigido pelo fracking. De acordo com o Instituto Arayara, cada poço pode demandar entre 5,7 milhões e 61 milhões de litros de água, volume que se torna impróprio para uso humano ou animal após a mistura com compostos químicos tóxicos e, em alguns casos, radioativos.
Essas substâncias representam risco direto de contaminação de aquíferos e mananciais, especialmente em regiões com escassez hídrica ou reservas estratégicas de água subterrânea. Além disso, o processo pode liberar metano e compostos orgânicos voláteis na atmosfera, agravando a poluição do ar e contribuindo para o aquecimento global.
Outro impacto associado é a ocorrência de tremores de terra provocados pela injeção de fluidos em grandes profundidades. Para Juliano Bueno de Araujo, diretor técnico do Instituto Arayara e da Coalização Não Fracking Brasil – Coesus, os riscos extrapolam a capacidade de fiscalização dos municípios. Segundo a entidade, mais de 524 cidades brasileiras, em 17 estados, já aprovaram leis que restringem o uso do fracking, sobretudo no que se refere ao uso da água e à concessão de alvarás.

SAIBA MAIS: Como o Fracking Impacta o Futuro Sustentável da Extração de Gás Natural
Clima, saúde e a ausência de salvaguardas ambientais
A fragilidade regulatória foi um dos pontos destacados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – MMA. Segundo a diretora do Departamento de Políticas de Avaliação de Impacto Ambiental, Moara Menta Giasson, o Brasil não dispõe de padrões consolidados de segurança ambiental para a aplicação do fracking. Uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, considerada essencial para mapear riscos cumulativos, ainda não foi efetivamente implantada.
Do ponto de vista climático, a técnica é vista como incompatível com as metas brasileiras de redução de emissões. A literatura científica aponta elevados índices de emissões fugitivas de metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes.
Os impactos à saúde humana também foram apresentados por estudos da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, por meio da Escola Nacional de Saúde Pública. A pesquisadora Bianca Dieile da Silva relatou aumento de internações por asma infantil, maior incidência de câncer, distúrbios endócrinos e problemas graves em recém-nascidos em regiões onde o fracking foi adotado, especialmente nos Estados Unidos.
Energia, economia e o peso da experiência internacional
Representantes do setor de petróleo e gás, por sua vez, defendem que a técnica pode ser aplicada com segurança e contribuir para o desenvolvimento econômico. O diretor-geral da ANP, Artur Watt Neto, sustenta que as normas brasileiras estão entre as mais rigorosas do mundo e que a exploração segue exigências ambientais específicas.
Argumentos semelhantes foram apresentados por Adriano Pires Rodrigues, cofundador da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás – ABPIP, que vê o fracking como resposta às crescentes demandas energéticas associadas a data centers e à expansão da inteligência artificial.
Ambientalistas contestam essa narrativa. Dados apresentados pelo Instituto Arayara indicam que o gás natural representa menos de 10% da matriz energética brasileira e que mais da metade da produção nacional tem sido reinjetada por falta de demanda. Para eles, a ampliação da oferta não se justifica frente aos riscos.
O cenário internacional reforça as preocupações. A advogada Marcella Torres, da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente – AIDA, relatou a experiência da região de Vaca Muerta, na Argentina, onde o número de acidentes ambientais mais que dobrou em seis anos. Segundo dados oficiais argentinos, milhares de litros de resíduos contaminados são gerados diariamente, com danos ambientais considerados irreversíveis.
O debate no STJ evidencia que o fracking não é apenas uma questão técnica, mas uma escolha política e civilizatória. Trata-se de decidir se o Brasil seguirá investindo em fontes fósseis de alto risco ou se alinhará seu futuro energético à proteção da água, da saúde e do clima.








































