O garimpo ilegal, uma das maiores ameaças aos povos indígenas e à Amazônia, começa a dar sinais de retração nas maiores Terras Indígenas da região. Dados inéditos do Greenpeace Brasil mostram que, no primeiro semestre de 2025, as operações de desintrusão coordenadas pelo Ministério dos Povos Indígenas resultaram em forte queda da atividade garimpeira nos territórios Yanomami, Munduruku e Kayapó.

O levantamento, feito com imagens de satélite de alta resolução fornecidas pela empresa Planet Labs, aponta reduções expressivas: na Terra Indígena Yanomami, a queda foi de 95,18%, com apenas 8,16 hectares de floresta desmatados para exploração de ouro entre janeiro e junho de 2025. No mesmo período do ano anterior, a perda havia sido muito maior. Já a TI Munduruku registrou queda de 41,53%, totalizando 11,81 hectares de desmatamento. No caso da TI Kayapó, houve um leve aumento de 1,93% no acumulado do semestre, mas, após o início da desintrusão em maio, não foram detectadas novas áreas abertas. Em junho, os três territórios alcançaram um feito histórico: zero hectares de abertura de novas frentes de garimpo.
Para Grégor Daflon, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, os números são um sinal claro de que a estratégia está funcionando: “As ações de desintrusão têm se mostrado eficazes em frear o avanço do garimpo, diferente de anos anteriores, quando a destruição parecia incontrolável. Essa redução traz esperança para a biodiversidade amazônica e devolve aos povos indígenas a possibilidade de viverem com segurança em seus territórios.”
Ainda assim, o balanço mostra contrastes. Enquanto os três territórios citados registram avanços, a Terra Indígena Sararé, em Mato Grosso, segue sob intensa pressão. Ali vivem os povos Nambikwara, que enfrentam um garimpo que já ocupa cerca de 4,38% dos 67 mil hectares da área. Entre janeiro e junho deste ano, foram identificados 773 hectares de novas áreas desmatadas — o equivalente a mais de mil campos de futebol. O pico ocorreu em janeiro, com 268 hectares devastados em apenas um mês.

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Mesmo após quatro operações de combate realizadas pelo Ibama e pela Polícia Federal, a pressão continua. Mais de 400 acampamentos de garimpo foram desmantelados e 100 escavadeiras hidráulicas, máquinas que aceleram a devastação, foram inutilizadas. Mas, como alerta Daflon, só a repressão não basta: “É necessário avançar para a desintrusão completa, atacando também a logística e os fluxos financeiros que sustentam o retorno do garimpo.”
A discussão sobre os próximos passos foi aprofundada em agosto, em Manaus, durante o encontro da Aliança em Defesa dos Territórios, articulação criada em 2021 por lideranças Yanomami, Munduruku e Kayapó. Na ocasião, os dados do Greenpeace foram apresentados em primeira mão, confirmando a relação direta entre a retirada dos invasores e a redução da devastação.
As falas das lideranças indígenas reforçam que a desintrusão precisa vir acompanhada de alternativas econômicas. Alessandra Korap Munduruku destacou que seu povo tem condições de viver sem garimpo, com base no extrativismo, na caça, na pesca e no artesanato, mas que carece de investimentos para fortalecer essas atividades. Ela defendeu projetos de etnodesenvolvimento e turismo de base comunitária como caminhos de autonomia.
Julio Ye’kwana Yanomami, por sua vez, enfatizou a importância de sistemas de monitoramento operados pelos próprios indígenas. Para ele, não é suficiente depender apenas da Funai ou de órgãos governamentais: “Queremos formar jovens para operar drones e garantir a vigilância do território. Só assim manteremos o garimpo longe.”
Patkore Kayapó lembrou que a mineração ilegal não destrói apenas florestas, mas também tecidos sociais: “O garimpo traz facções criminosas, drogas e armas. Contamina rios como o Fresco e o Branco, e deixa para trás lama, óleo e maquinário queimado. Precisamos recuperar a terra com projetos sustentáveis que garantam vida e floresta em pé.”
Os resultados obtidos até aqui mostram que a combinação de repressão policial, desintrusão sistemática e fortalecimento das comunidades indígenas é capaz de frear o garimpo. Mas a experiência também indica que, sem planos duradouros de vigilância e alternativas de desenvolvimento, a ameaça pode retornar rapidamente.
O desafio agora é ampliar a estratégia para outros territórios igualmente pressionados. Mais do que conter retrocessos, é preciso transformar a desintrusão em política permanente de proteção da Amazônia, assegurando que as futuras gerações indígenas possam viver em suas terras livres da devastação.










































