Cientistas criam filtro de grafeno que transforma água do mar em potável, o que pode mudar o futuro da dessalinização


Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido, desenvolveu um novo tipo de filtro feito com óxido de grafeno que promete revolucionar o processo de dessalinização da água do mar. A invenção, publicada na revista científica Nature Nanotechnology, é vista por especialistas como um avanço importante diante da crescente crise hídrica global.

grafeno

A ideia de transformar água salgada em potável não é nova. Mas os métodos mais usados atualmente, como a osmose reversa, são caros, consomem muita energia e exigem manutenção constante. O novo filtro criado pelos britânicos promete fazer o mesmo trabalho, mas com mais eficiência, menos custo e, potencialmente, um impacto ambiental bem menor.

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Imagem: Edilson Dantas / Agência O Globo

Uma folha de carbono que pode salvar vidas

O grafeno, material usado no novo filtro, é uma espécie de “superestrela” no mundo da ciência dos materiais. Ele é formado por uma camada ultrafina de átomos de carbono dispostos em formato hexagonal, semelhante a um favo de mel. Apesar de ser extremamente fino, é muito resistente, flexível e conduz eletricidade melhor que qualquer outro material conhecido.

Embora o grafeno tenha sido identificado pela primeira vez nos anos 1960, foi só em 2004 que cientistas da própria Universidade de Manchester conseguiram isolá-lo — um feito que rendeu o Prêmio Nobel de Física aos pesquisadores Andre Geim e Konstantin Novoselov. Desde então, ele vem sendo apontado como a chave para inovações em áreas que vão da medicina à eletrônica. Agora, é a vez da água.

Como funciona o filtro

O segredo da nova tecnologia está em um derivado do grafeno chamado óxido de grafeno. Segundo Rahul Nair, cientista-chefe do projeto, esse composto pode ser produzido com facilidade em laboratório, inclusive em grandes quantidades, e aplicado em materiais porosos como uma tinta.

O problema é que, quando submerso em água, o óxido de grafeno tende a inchar levemente. Esse inchaço aumenta os poros da membrana e permite que os sais, junto com a água, passem pelo filtro — o que obviamente não é o que se deseja em uma dessalinização.

Para resolver isso, os cientistas aplicaram uma camada de resina epóxi em ambos os lados da membrana. Isso bloqueia o inchaço e mantém os poros pequenos o suficiente para barrar o sal, mas ainda grandes o bastante para deixar a água passar.

“Nós conseguimos ajustar o filtro de forma a controlar exatamente o que entra e o que sai”, disse Nair em entrevista à imprensa britânica.

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Uma promessa diante da crise

A nova tecnologia chega em um momento em que o mundo enfrenta uma crescente preocupação com a disponibilidade de água potável. De acordo com a ONU, cerca de 14% da população global poderá sofrer com escassez de água até 2025. O impacto é ainda mais forte em regiões costeiras com infraestrutura limitada, ilhas remotas e áreas afetadas por secas.

Hoje, países como Israel, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita já investem pesado em usinas de dessalinização. Mas esses sistemas costumam ser caros, energeticamente exigentes e nem sempre acessíveis a nações mais pobres ou comunidades isoladas.

“Se conseguirmos levar essa tecnologia para escala industrial, ela pode ser um divisor de águas em termos de acesso à água potável em regiões carentes”, afirmou Nair.

Ainda há obstáculos

Apesar do entusiasmo, especialistas lembram que o caminho até a aplicação prática ainda tem desafios. Em um artigo publicado juntamente com a pesquisa, o cientista Ram Devanathan, do Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico, nos Estados Unidos, alertou que ainda será preciso demonstrar a durabilidade do filtro em ambientes reais — especialmente em contato contínuo com a água do mar, que contém não apenas sal, mas também microrganismos e partículas orgânicas.

“O grande teste será ver como essas membranas se comportam após semanas ou meses de uso. A maioria dos sistemas atuais precisa de limpeza constante ou substituição regular devido ao acúmulo de resíduos”, explicou Devanathan.

Além disso, o custo da produção em escala industrial — embora promissor — ainda precisa ser comprovado. Mesmo que o óxido de grafeno seja relativamente fácil de fabricar, criar filtros eficientes, duráveis e compatíveis com sistemas existentes ainda exige pesquisa, testes de campo e investimento.

O que vem pela frente

A próxima etapa, segundo a equipe britânica, é comparar o desempenho do filtro de grafeno com as membranas mais sofisticadas atualmente no mercado. A intenção é não apenas comprovar a eficácia, mas também verificar se a solução realmente se sustenta do ponto de vista econômico e ambiental.

Paralelamente, há um movimento crescente de universidades e centros de pesquisa em outros países que buscam aprimorar o uso do grafeno em soluções de tratamento de água. Há estudos em andamento na Índia, China e Estados Unidos explorando combinações de grafeno com outros materiais para criar filtros híbridos ainda mais eficientes.

Para além da dessalinização, as membranas de grafeno também mostram potencial para remover contaminantes como metais pesados, pesticidas e até resíduos farmacêuticos da água. Ou seja, o uso desse material pode ir muito além da transformação de água do mar.

Tecnologia acessível?

A grande pergunta que fica é: essa inovação vai chegar até quem mais precisa? Em muitos lugares, o acesso à água é tão precário que a ideia de adotar uma tecnologia de ponta parece distante.

Para Nair e sua equipe, essa é uma das prioridades. A proposta é desenvolver filtros modulares, que possam ser integrados em sistemas pequenos e portáteis — ideais para comunidades isoladas ou regiões onde a energia elétrica é limitada. A simplicidade da produção do óxido de grafeno também abre espaço para parcerias com ONGs e governos em países em desenvolvimento.

“A tecnologia só faz sentido se puder ser aplicada onde ela é mais necessária. E é nisso que estamos focados agora”, garantiu o pesquisador.

Um futuro mais líquido?

A ideia de transformar o material mais fino e resistente do mundo em uma solução para a sede da humanidade parece coisa de ficção científica, mas está se tornando realidade. Ainda há um caminho a ser trilhado, é verdade. Mas os primeiros passos já foram dados, e eles apontam para um futuro onde o acesso à água potável poderá depender menos de chuva e mais de inovação.

E se o filtro de grafeno realmente cumprir o que promete, o oceano, até agora salgado demais para beber, pode virar a nova fonte de vida para bilhões de pessoas ao redor do globo.