Como a Hydro tenta vender alumínio verde em meio a conflitos


A tentativa da Norsk Hydro de associar seu nome ao chamado alumínio verde voltou ao centro do debate público no Pará. Enquanto a empresa norueguesa exibe discursos sobre sustentabilidade em ações ligadas à COP 30, comunidades tradicionais, pesquisadores e órgãos públicos apontam um histórico persistente de conflitos socioambientais envolvendo suas operações no estado. Para parte significativa da sociedade civil, a estratégia de comunicação da companhia se aproxima do greenwashing, prática de ocultar danos ambientais por meio de campanhas positivas.

Alunorte / Divulgação

Fundada em 1905, a Norsk Hydro opera no Pará por meio de diferentes frentes. A cadeia produtiva inicia na Mineração Paragominas — responsável por 11 milhões de toneladas de bauxita por ano — e segue para a refinaria Hydro Alunorte, considerada a maior do mundo fora da China. A etapa final ocorre na Albras, em Barcarena, onde o alumínio metálico é produzido. É no trajeto que liga Paragominas a Barcarena que se concentra um dos conflitos mais sensíveis: o mineroduto de 300 quilômetros que atravessa territórios indígenas e quilombolas.

Em 2024, associações representando povos Tembé, Turiwara, quilombolas e ribeirinhos denunciaram os impactos das obras de ampliação desse mineroduto, apontando devastação de rios e florestas, escassez hídrica e ameaça direta à subsistência das comunidades. As lideranças afirmam que a consulta prévia, garantida por convenções internacionais, não foi respeitada. O caso chegou ao Ministério Público Federal, que reforça que o empreendimento cruza territórios quilombolas e pode causar danos significativos à vida e à saúde das famílias. Mesmo assim, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará concedeu licenças consideradas irregulares pelo MPF por não incluírem estudos obrigatórios.

O conflito jurídico ganhou novos contornos quando a empresa recebeu uma multa de R$ 8,6 milhões do Ibama por supressão ilegal de 1.725 hectares de floresta amazônica — área equivalente a mais de dez parques Ibirapuera. A Hydro afirma possuir autorizações válidas da Semas e conseguiu, na Justiça Federal, suspender o embargo imposto pelo órgão federal enquanto o mérito do caso não é analisado. Ainda assim, imagens, relatórios e laudos técnicos apontam diferença marcante entre a cobertura vegetal de 2024 e 2025.

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Divulgação – Observatório da Mineração

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Ao mesmo tempo em que avança sobre territórios sensíveis e acumula contestações, a companhia investe em ações de imagem. A escolha da cantora Fafá de Belém como rosto da campanha voltada à COP 30 amplifica sua narrativa de sustentabilidade, enquanto patrocínios na imprensa e o apoio a eventos regionais — como a Semana do Clima da Amazônia — reforçam a presença da empresa em debates públicos estratégicos.

O governo do Pará, comandado por Helder Barbalho, mantém relação próxima com a Norsk Hydro. Incentivos fiscais concedidos desde 2015 somam R$ 7,5 bilhões, segundo estudos de universidades paraenses, ao mesmo tempo em que pesquisadores afirmam que tais isenções estão associadas ao aumento de desmatamento e emissões. A Sedeme e a Semas defendem a parceria como estratégica para a transição energética e a geração de empregos, enquanto movimentos sociais apontam que tais benefícios reforçam um modelo concentrador e pouco transparente.

Pesquisadores como Rosa Elizabeth Acevedo, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, afirmam que a narrativa verde da empresa tenta compensar um histórico de poluição e violações ambientais. Esse passado inclui decisões judiciais relacionadas a contaminações em Barcarena, entre elas a condenação da Hydro Alunorte ao pagamento de R$ 100 milhões por danos decorrentes de um transbordamento de rejeitos. Relatórios de órgãos ambientais e depoimentos de ribeirinhos reforçam que a empresa demorou a agir, dificultou a fiscalização e não tomou medidas preventivas diante de problemas estruturais conhecidos.

Mesmo sob forte contestação social, a Hydro mantém o discurso de conformidade legal, transparência e compromisso com comunidades e direitos humanos. A empresa publica relatórios seguindo padrões internacionais — como a GRI e diretrizes da ONU — e afirma que todos os processos passam por auditorias independentes. Também ressalta investimentos em reflorestamento, energia renovável e economia circular.

Para as populações atingidas, porém, a distância entre a retórica corporativa e a realidade cotidiana continua profunda. Seus manifestos descrevem perdas culturais, ambientais e espirituais, expressando a sensação de viver em permanente estado de violação. Em plena COP 30, quando o Pará se apresenta ao mundo como vitrine climática, o caso Hydro revela um embate fundamental: de um lado, a promessa de um alumínio mais limpo; de outro, a experiência concreta de povos que pagam o preço da mineração com suas terras, suas águas e seus modos de vida.