Em plena COP30, o Brasil dá um passo simbólico rumo à descarbonização de sua matriz energética. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciou, nesta segunda-feira (10), o arquivamento definitivo do processo de licenciamento da Usina Termelétrica Ouro Negro, em Pedras Altas (RS). O empreendimento, proposto pela Ouro Negro Energia LTDA, previa uma planta de 600 megawatts (MW) movida a carvão mineral — e era o último projeto desse tipo ainda em análise no país.

A decisão encerra um ciclo de mais de uma década de debates, contestações e resistências técnicas e sociais. O local escolhido para o empreendimento foi classificado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) como área crítica em disponibilidade hídrica, o que já havia motivado a negativa de captação de água desde 2016. O Ibama apontou falhas no plano de risco e emergência da empresa, incluindo carências em sistemas de combate a incêndios e ausência de estratégias adequadas para proteção da fauna. Mesmo após notificações formais em 2023, a empresa não apresentou complementações.
Para o Instituto Internacional Arayara, a decisão representa uma conquista da sociedade civil e um divisor de águas na política energética brasileira. “Em plena COP30, o arquivamento da UTE Ouro Negro simboliza o início do fim da era do carvão no Brasil”, afirmou o diretor técnico da organização, Juliano Bueno de Araújo. Ele classificou o projeto como “tecnicamente inconsistente, socialmente injustificável e ambientalmente inviável”, destacando a importância do protagonismo da população gaúcha e das comunidades locais que se mobilizaram contra a iniciativa.

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O encerramento da UTE Ouro Negro soma-se à desistência, em fevereiro de 2025, do licenciamento da UTE Nova Seival, também no Rio Grande do Sul. O projeto, de 726 MW, foi abandonado pelo empreendedor diante de lacunas técnicas e do potencial impacto socioambiental. Com isso, o país elimina da pauta novos projetos a carvão mineral, consolidando uma tendência de transição energética mais limpa.
Mas o cenário não é de completa vitória ambiental. Segundo o engenheiro John Wurdig, membro da Arayara e do Observatório do Carvão Mineral (OCM), ainda há usinas em operação com garantias de funcionamento até 2040. Entre elas, estão a UTE Candiota, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda e a UTE Pampa Sul. Essas unidades continuam emitindo grandes volumes de gases de efeito estufa e operam com carvão de baixo poder calorífico e alto teor de cinzas e enxofre.
Wurdig alerta ainda para a força política do lobby carvoeiro, que busca prorrogar subsídios ao carvão mineral por meio de emendas no Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025, derivado da Medida Provisória nº 1.304/2025. O texto, que aguarda decisão presidencial, prevê a extensão de incentivos até 2040 e a outorga de funcionamento para as usinas até 2050.
Apesar das resistências, o arquivamento da UTE Ouro Negro tem valor estratégico e simbólico. O Brasil, que já é reconhecido por ter uma matriz elétrica majoritariamente renovável, dá um sinal claro de que pretende eliminar gradualmente o uso do carvão mineral, alinhando-se às metas globais do Acordo de Paris e fortalecendo sua liderança climática no Sul Global.
A Agência Brasil informou que tenta contato com a Ouro Negro Energia LTDA para obter posicionamento sobre a decisão. Até o momento, a empresa não se manifestou.




































