Ilhas brasileiras revelam biodiversidade única e ampliam debate sobre conservação


Durante muito tempo, quando se falava em ilhas com fauna e flora exclusivas, as Ilhas Galápagos, no Pacífico, surgiam como referência imediata. Porém, novas descobertas científicas estão mudando essa percepção. Pesquisas recentes revelam que as ilhas oceânicas brasileiras como Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo, Trindade e outras podem ser igualmente consideradas santuários de biodiversidade.

Divulgação- UFPE

O estudo Escalas de Endemismo Marinho em Ilhas Oceânicas e o Endemismo Provincial-Insular, publicado pela Peer Community Journal, aponta que esses territórios brasileiros concentram espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta. A pesquisa é liderada por Hudson Pinheiro, da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), em parceria com cientistas de diferentes países.

Espécies únicas em um cenário pouco explorado

Segundo Pinheiro, expedições científicas vêm permitindo um mapeamento mais detalhado da biodiversidade marinha nacional. Muitas novas espécies já foram descritas e identificadas como endêmicas, ou seja, restritas a uma área específica. Isso coloca as ilhas brasileiras em posição de destaque global, devido à alta proporção de organismos exclusivos encontrados.

O levantamento analisou mais de 7 mil espécies de peixes recifais em 87 ilhas ao redor do mundo. Os resultados revelam que cerca de 40% delas só ocorrem em grupos de ilhas de uma mesma região, sem colonizar áreas continentais próximas. Esse padrão levou os pesquisadores a propor um novo conceito científico: o Endemismo Provincial-Insular, que reconhece como endêmicas espécies distribuídas em duas ou mais ilhas da mesma província, mesmo que não estejam restritas a apenas um território.

Na prática, isso significa que espécies presentes, por exemplo, tanto em Fernando de Noronha quanto no Atol das Rocas, devem ser vistas como igualmente singulares e frágeis, mesmo não sendo exclusivas de apenas uma ilha.

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Arquivo/Agência Brasil

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Riscos invisíveis

Apesar da importância, essas ilhas ainda são pouco estudadas devido à dificuldade de acesso. Diferente da costa continental, onde a pesquisa pode ser feita com maior frequência, expedições oceânicas dependem de alto investimento, logística complexa e apoio institucional. Isso faz com que muitas espécies só sejam descobertas tardiamente quando não já em risco de extinção.

Pinheiro alerta que o impacto das mudanças climáticas amplia essa vulnerabilidade. Em regiões continentais, algumas espécies conseguem se deslocar para áreas mais frias à medida que a temperatura sobe. No entanto, em ilhas isoladas, esse movimento é praticamente impossível. A limitação geográfica torna os organismos insulares muito mais suscetíveis a desaparecer diante de alterações ambientais bruscas.

Ciência, cooperação e futuro

O avanço desse conhecimento só foi possível graças à união de esforços. A Marinha do Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e diferentes organizações da sociedade civil ofereceram suporte logístico e financeiro para que as expedições fossem realizadas.

Para Marion Silva, gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, os resultados reforçam a urgência da proteção dessas áreas. “Não se trata apenas de evitar a perda da biodiversidade, mas de garantir que os oceanos continuem regulando o clima, fornecendo recursos e inspirando soluções para os desafios do futuro”, afirma.

Outro marco importante foi a criação da primeira estação de mergulho científico mesofótico da América Latina, desenvolvida pelo Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (Cebimar USP). A estrutura permite que pesquisadores explorem ambientes de até 150 metros de profundidade, ampliando a capacidade de observar ecossistemas pouco conhecidos.

Segundo Marion Silva, esse tipo de investimento transforma ciência em benefícios práticos: as expedições apoiadas já atualizaram listas de espécies e trouxeram novos registros para a comunidade científica.

Um novo olhar sobre as ilhas brasileiras

Ao propor um conceito inovador de endemismo e revelar a riqueza biológica das ilhas oceânicas do Brasil, os cientistas ampliam a forma como entendemos esses ecossistemas. Eles não são apenas paisagens paradisíacas, mas peças-chave para compreender processos evolutivos, enfrentar os impactos climáticos e repensar estratégias de conservação em escala global.

Se Galápagos se tornou símbolo da biodiversidade, as ilhas brasileiras mostram que há muitos outros capítulos dessa história ainda a serem escritos e protegidos.