Em meio às margens violentas do rio Brahmaputra, onde a cada monção centenas de hectares desaparecem, um único homem decidiu lutar contra a erosão com o que tinha: suas mãos e um punhado de sementes. O indiano Jadav “Molai” Payeng, conhecido hoje como o Forest Man of India, transformou um deserto de areia em uma floresta viva com mais de 550 hectares — maior que o Central Park, em Nova York.

O cenário da destruição: Majuli, a ilha que desaparece
Majuli, no nordeste da Índia, é uma das maiores ilhas fluviais do planeta. Lar de cerca de 150 mil pessoas, ela enfrenta há décadas um processo acelerado de erosão. Desde 1917, o território perdeu mais da metade de sua área. As chuvas de monção fazem o rio Brahmaputra transbordar e levar consigo casas, plantações e vidas.
A paisagem árida e o som do rio em fúria moldaram a infância de Payeng, um menino da tribo Mising que cresceu vendo a natureza ser engolida ano após ano. Quando tinha pouco mais de 15 anos, um episódio mudaria tudo: centenas de cobras apareceram mortas na areia, vítimas do calor intenso após uma enchente.
O nascimento da Floresta Molai
A dor daquela cena o impulsionou a plantar bambus e árvores nativas em uma pequena faixa de terra devastada. Sem apoio, sem ferramentas e sem financiamento, ele persistiu. O que começou como um ato solitário em 1979, tornou-se a Floresta Molai — um santuário de biodiversidade com mais de 550 hectares de extensão.
As primeiras mudas precisavam de irrigação manual, carregada em baldes. Décadas depois, o equilíbrio ecológico criado pela vegetação passou a sustentar seu próprio ciclo. As árvores frutíferas e o solo rico atraíram insetos, pássaros e, por fim, grandes mamíferos.
A vida que voltou com a floresta
Hoje, o que antes era deserto abriga manadas de elefantes, rinocerontes, tigres, veados e até abutres, que haviam desaparecido da região. O retorno das espécies marcou a recuperação de todo o ecossistema local.
Payeng costuma dizer que “todas as espécies são animais — a diferença é que os humanos vestem roupas”. Sua filosofia é simples: se o homem é capaz de destruir, também é capaz de reconstruir.
O plantio contínuo ajudou a conter a erosão e estabilizar margens do Brahmaputra, oferecendo refúgio a comunidades vizinhas que vivem do gado e da agricultura.
Reconhecimento tardio, mas transformador
Durante anos, ninguém sabia de sua existência. Foi o fotógrafo Jitu Kalita quem descobriu o “homem da floresta” em 2009, durante uma expedição fotográfica. A reportagem publicada em um jornal local levou Payeng ao conhecimento nacional.
Em 2012, ele recebeu o título de “Forest Man of India” e, em 2015, a honraria Padma Shri, uma das mais altas condecorações civis do país. Sua história inspirou documentários como Forest Man (2013), de William Douglas McMaster, e o filme Foresting Life, de Aarti Shrivastava.
Mesmo com os prêmios, Payeng nunca se afastou da terra. Vive em sua casa simples na ilha de Majuli, com a esposa Binita e seus filhos, cercado pelas árvores que ele mesmo plantou.
O sonho de multiplicar o exemplo
Payeng defende que o reflorestamento não deve ser apenas um ato ambiental, mas também econômico. Ele propõe o cultivo de coqueiros e espécies nativas de rápido crescimento, capazes de proteger o solo e gerar renda.
Sua filha, Munmuni Payeng, dá continuidade ao legado, liderando um projeto para plantar um milhão de árvores em áreas afetadas por enchentes.
Para Payeng, a salvação de Majuli depende de replicar o esforço:
“Se uma pessoa pode plantar uma floresta, imagine o que mil poderiam fazer.”
Apesar da visibilidade, as autoridades indianas ainda não adotaram plenamente suas propostas. Projetos de reflorestamento sofrem com burocracia, falta de financiamento e escolha inadequada de espécies exóticas.
Payeng alerta que o risco de novas perdas permanece enquanto a população não compreender o valor das florestas. “Cortem-me antes de cortar uma árvore”, ele diz. Sua história é mais do que uma fábula ecológica — é um modelo prático de restauração ambiental e resiliência humana.
Mostra que a regeneração é possível mesmo em territórios devastados.
Ensina que a natureza responde ao cuidado com abundância.
E lembra que o impacto individual pode ecoar por gerações, quando sustentado por propósito e disciplina.
De uma faixa de areia desolada nasceu um bosque vibrante, lar de tigres e elefantes. O que parecia impossível tornou-se símbolo de esperança global.
Payeng ainda repete, com a serenidade de quem sabe o valor do tempo:
“Seguirei plantando até meu último suspiro.”
Leia mais artigos aqui
Conheça também – Revista Para+











































