Líderes em Belém traçam nova era para combustíveis fósseis, florestas e financiamento


Na orla da Amazônia, em Belém, o mundo se encontrou para dar o tom da próxima grande conferência climática. Antes mesmo do início formal da COP30, as grandes potências, líderes emergentes e representantes de comunidades presentes na região articularam três eixos estratégicos que poderão definir o sucesso — ou o fracasso — dos próximos anos: abandonar os combustíveis fósseis, ampliar o financiamento climático e proteger as florestas tropicais.

Em discurso na ONU, Lula também afirmou que essa seria "COP da verdade" - Reprodução

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a dianteira desse diálogo, convocando a comunidade global a sair de Belém com metas transformadoras. Ele exigiu que os países apresentem NDCs alinhadas à meta de 1,5 °C firmada em Dubai e lançou o Compromisso de Belém — com o objetivo de quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035 e dobrar a eficiência energética até 2030. Em seu discurso, lembrou que não se trata apenas de reduzir emissões, mas de redefinir como o mundo extrai energia, vive em sociedade e valoriza o planeta.

No centro da mobilização em Belém está também o Tropical Forests Forever Facility (TFFF), o fundo de falésias da agenda climática brasileira. A ideia é audaciosa: uma dotação de até US$ 125 bilhões que combine recursos públicos, filantrópicos e privados para remunerar países que mantêm suas florestas em pé — em vez de destruí-las. Segundo o briefing preliminar, cada hectare de floresta em pé poderia render cerca de US$ 4 por ano ao país detentor, com deduções para destruição ou degradação. Fern+2The Global Foundation+2 Entre os compromissos anunciados em Belém, figuram US$ 3 bilhões da Noruega, US$ 500 milhões da França, US$ 1 bilhão do Brasil e US$ 1 bilhão da Indonésia — com sinais de que outras contribuições ainda virão.

Paralelamente, o Baku to Belém Roadmap foi apresentado como um plano para mobilizar pelo menos US$ 1,3 trilhão em financiamento climático até 2035. Embora não seja um conjunto de obrigações, mas de recomendações, a iniciativa representa um esforço de articulação entre o Brasil e o Azerbaijão para desenhar o caminho da transição. O problema, segundo observadores, é insistir para que o roteiro não acabe sendo “apenas mais um relatório”.

A justiça ambiental ganhou lugar de destaque com a Declaração de Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental — a primeira iniciativa internacional a vincular formalmente justiça racial e ação climática sob o mesmo arcabouço. O documento reconhece que a crise climática e a poluição afetam de forma desproporcional comunidades indígenas, afrodescendentes e locais e afirma que qualquer futuro sustentável depende de igualdade e reparação.

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Entre os discursos, houve toques urgentes: o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, lembrou que “nossa economia não é o problema. Nossa economia é a chave para proteger ainda melhor o nosso clima.” Em contraponto, o ministro das Ilhas Marshall, Kalani Kaneko, afirmou que mesmo os países-vítima precisam ver mudanças reais nos papéis dos emissores maiores — não apenas promessas em discursos.

Especialistas analisaram com atenção. Para Cláudio Ângelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, o fato de Lula colocar como tema central da COP30 o abandono de combustíveis fósseis representa “um grande avanço” — especialmente quando muitos grandes emissores optaram por agendas mais brandas. Já Ani Dasgupta, presidente e CEO do World Resources Institute, ressaltou que o encontro mostrou que investir em economias mais limpas deixou de ser apenas questão ambiental para se tornar “questão de segurança e competitividade de longo prazo”.

Por outro lado, nem todos os sinais são positivos — o recuo marcado do Reino Unido em contribuir para o TFFF, por exemplo, gerou críticas de ex-ministros e alertas sobre futura falta de ambição. Isso reforça que o grande desafio não está tanto em definir prioridades, mas em traduzir essas prioridades em compromissos concretos e cronogramas de entrega.

Agora, os próximos dias e semanas da COP30 serão um teste de realidade. Não basta discursar sobre parar com fósseis, mobilizar trilhões ou salvar florestas: será necessário negociar arranjos técnicos, estabelecer métricas de resultado, garantir transparência nas promessas financeiras e assegurar que comunidades tradicionais sejam beneficiadas — não apenas consultadas. A diplomacia climática entra num novo estágio: não apenas chamar países para a mesa, mas desenhar instituições, regras, fluxos de recursos e mecanismos de responsabilização.

Se Belém se tornar o lugar onde se falou menos e agiu mais, então a COP30 poderá deixar um legado real para além dos discursos. Caso contrário, corre-se o risco de que os novos “marcos” sejam apenas testes para repensar promessas em futuros encontros — sem que o mundo veja na Amazônia o início de uma virada que vale não só para o Brasil, mas para todo o planeta.