Carta de médicos propõe que a COP30 coloque o bem-estar humano no centro das decisões climáticas


O Movimento Médicos pelo Clima, articulado pelo Instituto Ar, acaba de lançar uma carta de recomendações que propõe uma mudança de paradigma: colocar o bem-estar das pessoas no centro da agenda da COP30. O documento será entregue em 17 de outubro, em Brasília, à enfermeira Ethel Maciel, indicada como enviada especial para o tema na conferência. A iniciativa reúne dezenas de entidades médicas e organizações civis, demonstrando a força de um consenso técnico e ético sobre a urgência de integrar clima e qualidade de vida nas negociações internacionais.

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O texto defende que a presidência brasileira da COP30 conduza um esforço multilateral para que as políticas ambientais passem a considerar os impactos diretos sobre a população. Entre os pontos centrais está o fortalecimento do “Plano de Ação em Saúde de Belém”, proposta apresentada pelo Brasil como referência global para adaptar os sistemas públicos às consequências do aquecimento global. A carta também sugere linhas de financiamento específicas para projetos que unam mitigação climática e atenção sanitária, além de menções explícitas ao tema nos documentos oficiais da conferência como as decisões da CMA (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) e a carta da presidência.

Entre os signatários estão a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, a Rede de Trabalho Amazônico (GTA), a Associação Brasileira de Asmáticos (ABRA), o Instituto Bem do Estar, o Vertentes Ecossistema de Saúde Mental e o Instituto Talanoa, entre outras organizações. A ampla adesão mostra que o campo médico está assumindo protagonismo em uma pauta historicamente tratada como externa à área da saúde.

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Para Renato Kfouri, pediatra e infectologista, embaixador do movimento, o momento é decisivo: “A COP30 representa uma chance histórica de colocar a vida das pessoas no centro das discussões climáticas. Não faz sentido pensar em clima sem pensar em quem sofre seus efeitos.” Ele lembra que fenômenos como ondas de calor, poluição, surtos infecciosos e insegurança alimentar afetam de forma desigual os países mais vulneráveis. Por isso, segundo ele, a medicina não deve ser coadjuvante, mas parte essencial das soluções.

A carta ressalta que a crise do clima já se traduz em uma crise humanitária. Sila Mesquita, coordenadora da GTA, reforça que milhões de pessoas já sentem os efeitos diretos dessas mudanças: “Aumento de doenças respiratórias, agravamento de enfermidades, deslocamentos forçados, transtornos mentais — tudo isso já está acontecendo.” De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 2030 e 2050 as mudanças climáticas poderão causar 250 mil mortes adicionais por ano, e os custos diretos com atendimento podem alcançar de 2 a 4 bilhões de dólares anuais até 2030.

Na região Norte, Raquel da Silva Casanova, médica e embaixadora do movimento, destaca que justiça climática e direito à vida caminham juntos: “Não se pode proteger as pessoas sem enfrentar as desigualdades ambientais. A crise climática atinge com mais força quem já vive em vulnerabilidade.” Para ela, inserir essa perspectiva na COP30 é condição básica para que políticas ambientais se traduzam em proteção humana real.

Um dos capítulos do documento é dedicado às crianças. O presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dr. Edson Liberal, lembra que esse grupo é o mais exposto aos efeitos do clima extremo, calor, poluição, enchentes e doenças emergentes. Ele defende que o Plano de Ação em Saúde de Belém fortaleça o SUS, priorize a prevenção e garanta que os recursos internacionais cheguem às comunidades mais afetadas.

O movimento já alcançou mais de 15 mil profissionais de diferentes especialidades. Além da carta, lançou a cartilha “Como as mudanças climáticas impactam a saúde das crianças?”, em parceria com a SBP, e prepara ações simbólicas durante a conferência em Belém.

Se acolhida, a proposta poderá redefinir o papel da COP30, ao afirmar que enfrentar o colapso climático é, antes de tudo, proteger vidas. O documento pede que o Brasil incentive a criação de comitês temáticos sobre saúde climática, inclua metas de bem-estar nos acordos internacionais e garanta financiamento para transformar compromissos em resultados concretos.