Em um momento crítico para a sustentabilidade global, o Brasil se encontra diante de uma oportunidade sem precedentes. A implementação de um mercado regulado de carbono, que tramita atualmente no Senado, é considerada por especialistas e líderes empresariais como uma ferramenta fundamental para o futuro do país, tanto no aspecto econômico quanto ambiental. A proposta, que está sendo discutida desde o início de 2024, visa a criação de um sistema de cap and trade que limitará as emissões de gases de efeito estufa (GEE) das grandes indústrias e promoverá o desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono. A aprovação dessa legislação colocará o Brasil na vanguarda das ações climáticas globais, em sintonia com as exigências internacionais e alinhado às expectativas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), prevista para acontecer em breve.
A necessidade de agir agora
O projeto de lei em questão, já aprovado pela Câmara dos Deputados no final de 2023, foi finalmente incluído na agenda do Senado em fevereiro de 2024. Desde então, grupos empresariais e representantes do setor financeiro têm intensificado esforços para garantir que ele seja aprovado ainda este ano. Em uma carta aberta endereçada aos senadores, 60 importantes líderes do setor produtivo e financeiro ressaltaram a urgência da aprovação do projeto, frisando que o Brasil não pode mais adiar medidas concretas para a redução das emissões.
Essa carta, assinada por nomes como Luiza Helena Trajano (Magalu), Rubens Ometto (Cosan), Candido Bracher (Itaú), Rubens Menin (MRV), entre outros, destaca que o mercado de carbono não só irá contribuir para reduzir as emissões, como também abrirá novas oportunidades econômicas para o Brasil. Segundo esses líderes, o projeto de mercado de carbono regulamentado tem o potencial de atrair investimentos e estimular a inovação em tecnologias limpas, o que é crucial para que o país atenda às suas metas climáticas e se torne competitivo no cenário internacional.
O funcionamento do sistema de cap and trade
O modelo de cap and trade proposto no Brasil se assemelha aos sistemas já implementados em regiões como a União Europeia. Nesse sistema, as grandes indústrias terão limites (caps) rígidos de emissões de GEE, sendo obrigadas a adquirir créditos de carbono para cobrir qualquer excesso em suas emissões. Esses créditos poderão ser comprados de outras empresas que emitirem menos do que seu limite estabelecido, criando um mercado dinâmico de compra e venda de permissões para emissão.
O objetivo central desse modelo é garantir que o país reduza suas emissões totais de maneira eficiente e escalonada, ao mesmo tempo que incentiva empresas a inovarem e adotarem práticas mais sustentáveis. O projeto, que começou a ser discutido ainda em 2022, ganhou força à medida que o Brasil se prepara para a COP29, na qual o país buscará consolidar seu papel de liderança nas negociações climáticas globais.
Pressões externas e oportunidades econômicas
A pressão sobre o Brasil para avançar na regulamentação do mercado de carbono é impulsionada não apenas por compromissos climáticos, mas também por fatores econômicos. A partir de 2026, a União Europeia começará a aplicar uma tarifa sobre produtos importados que tenham uma alta pegada de carbono, uma medida conhecida como “ajuste de fronteira de carbono”. Empresas brasileiras que operarem em um mercado de carbono regulado poderão ficar isentas dessa taxa, ganhando uma vantagem competitiva importante. Caso contrário, produtos exportados para o mercado europeu estarão sujeitos a tarifas mais elevadas, tornando-os menos atrativos.
Essa perspectiva de penalização econômica traz ainda mais urgência para a regulamentação do mercado de carbono no Brasil. As empresas brasileiras que desejam continuar competindo globalmente não podem se dar ao luxo de esperar. Além disso, a expectativa é que a criação de um mercado de carbono impulsione o crescimento de setores inovadores, como o de energias renováveis, mobilidade sustentável e reflorestamento.
Desafios na implementação
Apesar do apoio expressivo do setor empresarial, o projeto enfrenta alguns desafios. O texto que saiu da Câmara dos Deputados foi alterado para incluir tópicos que tratam do mercado voluntário de carbono, o que gerou discussões sobre a “hibridização” do projeto. Alguns especialistas alertam que isso pode desviar o foco da regulamentação do mercado obrigatório e complicar o processo de implementação.
Candido Bracher, ex-presidente do Itaú e um dos signatários da carta ao Senado, alerta que o Brasil não pode perder mais tempo com debates prolongados. Segundo ele, é necessário colocar o sistema em prática o mais rápido possível e, se necessário, ajustar os detalhes ao longo do caminho. “É como levantar voo e fazer correções de rota a bordo”, afirma. Ele acrescenta que esperar por um projeto perfeito pode ser prejudicial, pois o tempo é um fator crucial para a eficácia do combate às mudanças climáticas.
Perda de carbono na floresta tropical: principal gatilho das emissões da floresta amazônica
Na COP29, nova disputa por financiamento climático deve dominar as negociações
Além disso, o próprio processo de regulamentação, uma vez que o projeto seja aprovado, pode levar de quatro a cinco anos até que o mercado esteja completamente operacional. Isso inclui a definição de regras claras, estabelecimento de mecanismos de fiscalização e a realização de testes operacionais antes que as primeiras transações com créditos de carbono ocorram.
A voz do agronegócio
Outra figura de destaque que endossou a carta foi Pedro de Camargo Neto, produtor rural e ex-secretário do Ministério da Agricultura. Representando uma parte importante do setor do agronegócio, Camargo destacou que o Brasil, com sua vasta biodiversidade e potencial para práticas agrícolas mais sustentáveis, pode ser um dos maiores beneficiários de um mercado de carbono bem estruturado. Ele também frisou que o setor agrícola pode desempenhar um papel importante na captura de carbono, contribuindo significativamente para as metas de redução de emissões.
A carta menciona ainda que desastres recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e o aumento dos incêndios florestais, evidenciam a urgência de ações concretas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Para Camargo, é fundamental que o Brasil se posicione de maneira assertiva, tanto nas políticas internas quanto nas negociações internacionais, para evitar o aumento de eventos climáticos extremos.
O mercado de carbono como ferramenta de transparência
Um dos pontos mais enfatizados pelos signatários do manifesto é que o mercado de carbono regulado dará mais transparência ao risco ambiental implícito em atividades produtivas. Empresas que hoje não medem ou não relatam suas emissões de carbono poderão ser responsabilizadas por esses impactos, o que ajudará a alinhar o setor privado com os objetivos globais de contenção do aquecimento global.
Com a implementação do mercado de carbono, o Brasil poderá se credenciar como uma liderança climática global, atuando de maneira proativa no controle de emissões e no desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Além disso, ao regular o mercado e permitir que empresas negociem créditos de carbono, o país poderá estimular novas fontes de receita e investimentos, transformando a questão climática em uma oportunidade econômica.
A aprovação do projeto de lei do mercado de carbono é uma medida essencial e urgente para o Brasil. Além de fortalecer o papel do país nas negociações climáticas globais, a medida ajudará a impulsionar a inovação tecnológica, aumentar a competitividade internacional e atrair investimentos para setores mais sustentáveis. Os desafios existem, mas a janela de oportunidade é clara: a hora de agir é agora. O Brasil tem a chance de transformar uma crise climática em uma alavanca para um futuro econômico mais verde e próspero.