Cientistas declaram inviável a meta de 1,5°C do clima


A cada novo relatório científico, a distância entre as ambições do Acordo de Paris e o comportamento real das emissões globais parece crescer. O documento mais recente do Global Carbon Project, divulgado durante a COP30, reforça esse descompasso ao projetar que, em 2025, o mundo atingirá um novo recorde de dióxido de carbono proveniente da queima de combustíveis fósseis. Para os mais de 130 cientistas envolvidos no estudo, o quadro já não deixa margem para ilusões: manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C não é mais plausível.

Tomaz Silva/Agência Brasil

Essa conclusão, longe de ser apenas mais um alerta, representa uma inflexão profunda na narrativa climática internacional. Durante anos, a meta de 1,5°C funcionou como bússola moral, parâmetro rigoroso e ao mesmo tempo mobilizador. Agora, diante do avanço contínuo das emissões, ela se transforma em um horizonte que retrocede à medida que caminhamos. O relatório estima que as emissões de 2025 cheguem a 38,1 bilhões de toneladas de CO₂, um volume suficiente para empurrar a concentração atmosférica para cerca de 425,7 partes por milhão — um aumento de 52% em relação ao período pré-industrial. É como se o planeta operasse em modo de aquecimento permanente.

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O pesquisador Pierre Friedlingstein, do Global Systems Institute da University of Exeter, sintetiza o problema de forma direta: o orçamento de carbono que restava para respeitar o limite de 1,5°C será esgotado antes de 2030. Trata-se de um ponto de não retorno estatístico, não metafórico. Se nada mudar, o mundo se encaminha para um aquecimento de pelo menos 1,7°C — agora visto pelos cientistas como uma meta mais crível, embora indesejável.

A situação se agrava porque os sumidouros naturais de carbono — florestas, solos, oceanos — demonstram sinais de enfraquecimento. O relatório aponta que cerca de 8% da elevação na concentração de CO₂ desde 1960 decorre da redução da eficiência desses ecossistemas em absorver o gás. Um planeta que perde a capacidade de se autorregular coloca humanidade e biodiversidade em um território climático desconhecido.

No campo das emissões fósseis, há uma contribuição negativa vinda de todas as principais matrizes energéticas: carvão deve crescer 0,8%, petróleo 1% e gás natural 1,3%. A aviação internacional, que ainda se recupera da queda causada pela pandemia, deve aumentar suas emissões em 6,8% — mais um indicador de que a retomada econômica global vem acompanhada de padrões de mobilidade intensivos em carbono. O transporte marítimo tende a se manter estável, mas em um patamar ainda alto.

O desmatamento permanece como uma das frentes mais preocupantes. As emissões associadas à derrubada e queima de florestas giram em torno de 4 bilhões de toneladas anuais, embora processos de regeneração e reflorestamento compensem aproximadamente metade desse total. Ainda assim, trata-se de uma dinâmica de perdas e ganhos que evidencia o quanto a proteção de biomas naturais é central para qualquer tentativa de evitar um cenário climático mais turbulento.

As projeções por país mostram uma tendência desigual. Nos Estados Unidos, as emissões devem subir 1,9%, revertendo a queda dos últimos anos. A União Europeia, apesar de investimentos robustos em energia renovável, também deve registrar leve aumento, de 0,4%. China e Índia continuam em trajetória ascendente, embora com taxas menores do que as observadas recentemente, o que reflete tanto avanços das renováveis quanto condições climáticas atípicas, como monções mais intensas que reduziram a demanda por refrigeração.

O Japão surge como exceção, com queda projetada de 2,2%. No restante do mundo, a previsão é de aumento de 1,1%. O mosaico global revela um padrão comum: a velocidade da transição energética está aquém da velocidade do aquecimento.

O relatório funciona como um retrato incômodo e urgente, lembrando que, embora o limite de 1,5°C tenha se tornado inalcançável, o futuro ainda não está resignado ao pior cenário. A diferença entre 1,7°C, 2°C ou mais será definida pelas escolhas políticas, econômicas e tecnológicas dos próximos anos. Os números são drásticos, mas também iluminam uma direção: cada fração de grau ainda importa.