A cada copo de água que você bebe, à beira-mar ou no prato de peixe que saboreia, pode haver uma nova forma de invasão silenciosa: minúsculas partículas plásticas que desafiam os horizontes visíveis da poluição. Um estudo recente conduzido por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro revela que os chamados micro e nanoplásticos deixaram de ser um problema apenas ambiental para se tornarem um desafio para a saúde humana.

Os plásticos sintéticos, produzidos massivamente desde meados do século passado, foram muito bem-documentados em seus impactos ao meio ambiente, os lixões, os oceanos repletos de resíduos, a fauna engolindo pacotes e sacos. Menos visível era o processo interno: à luz do sol, à ação do vento, do calor ou da água, esses materiais se fragmentam, primeiro em micropartículas e logo depois em nanopartículas. Essas partículas, por sua extrema leveza e micrometria, se espalham na água, no solo, no ar e acabam integrando a cadeia alimentar. Segundo o professor Victor Ferreira, essa geração de micro- e nanopartículas começou a receber atenção mais sistemática apenas na última década.
Ao vasculhar cerca de 140 estudos em diferentes países, inclusive estudos brasileiros, a equipe deixou claro que essas partículas não ficam restritas aos resíduos grosseiros. Foram identificadas em alimentos, de açúcar, sal e mel, passando por peixes e frutos-do-mar que filtram ou ingerem plásticos e depois os transferem aos predadores humanos. Encontrou-se também contaminação em animais espalhados do extremo norte à porção sul do Brasil — da Amazônia ao Rio Grande do Sul.

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Na prática, as estimativas atuais sugerem que um indivíduo, simplesmente vivendo em meio à nossa rotina, pode ingerir entre 39 000 e 52 000 microplásticos por ano. Se considerarmos a inalação, o ar que respiramos, esse número dispara, podendo alcançar 121 000 partículas. E mais: pessoas que consomem apenas água engarrafada podem estar ingerindo quase 90 000 partículas a mais. É uma conta perturbadora e ainda muito provavelmente subestimada, porque nossos métodos de detecção não capturam adequadamente os nanoplásticos.
E o que essas partículas fazem uma vez dentro do corpo? A resposta ainda é incerta, mas já sabemos que podem depositar-se nos pulmões, na boca, atingir a corrente sanguínea, acumular-se em diversos órgãos. Em estudos recentes, micropartículas foram encontradas em placentas e cordões umbilicais, um sinal de que os fetos em desenvolvimento também estão potencialmente expostos.
No entanto, há um salto metodológico ainda não vencido: provar que essas partículas causam doenças específicas. Até agora, o estudo clínico isolado encontrou microplásticos em 60 % dos coágulos arteriais analisados, o que sugere uma possível participação mas não comprova uma conexão direta entre o plástico e a doença.
Diante desse panorama, os autores do estudo solicitam uma estratégia urgente: melhorar a reciclagem, controlar o descarte e a produção de materiais plásticos, responsabilizar indústrias e governos, e assumir que essa contaminação não é apenas “lixo visível”, é uma ameaça invisível à saúde humana. Além disso, lembram que desde 2022 a ONU trabalha pela criação de um tratado internacional para eliminar a poluição plástica — porém as negociações já foram adiadas, o que acende um alerta para a lentidão da resposta global.
Em suma: o desafio da poluição por plásticos ultrapassou a dimensão ambiental. Ele agora pulsa, invisível, dentro de nós. E, enquanto não entendermos completamente os efeitos para a saúde, o melhor que podemos fazer é reduzir nossa exposição, exigir transparência e agir, individualmente e coletivamente, para que esse problema deixe de ser invisível.









































