Desde 2019, um grupo de mais de 47 cientistas, pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) vem trabalhando em um projeto de mobilidade que inaugura o primeiro corredor verde de transporte na Amazônia. Esse sistema inovador combina dois ônibus elétricos, uma embarcação elétrica, estações de recarga, painéis fotovoltaicos e um aplicativo de geolocalização, e agora se prepara para ganhar destaque internacional com a aproximação da COP30.

Batizado de Sistema Inteligente Multimodal da Amazônia (Sima), o projeto teve origem em um esforço acadêmico e institucional, com apoio da Norte Energia — concessionária da Usina Hidrelétrica de Belo Monte — via regulamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O sistema foi concebido para transformar a circulação no entorno da UFPA em Belém e no campus de Castanhal, com uma embarcação elétrica, batizada de Catamarã Poraquê (em homenagem ao peixe elétrico amazônico), e ônibus movidos a bateria: um veículo para o percurso entre campus Castanhal ↔ Belém e outro para a circulação interna da cidade-universitária. A travessia do rio Guamá pela embarcação, entre três paradas, leva cerca de 15 minutos e pode alcançar até 40 km em um dia, à média de 13 km/h.
Além de veículos, o Sima integra: estações de recarga, painéis solares (incluindo um sistema “zero energy” instalado no edifício Mirante do Rio, com capacidade para atender mais de 2.500 alunos), e um aplicativo de geolocalização chamado Norte Rotas, além de software de gestão em nuvem (via plataforma Dojot) para armazenar e processar dados da infraestrutura.
No plano científico, o projeto não é apenas piloto: ele gerou 29 trabalhos acadêmicos (5 teses de doutorado, 10 dissertações de mestrado, 14 TCCs de graduação), 18 artigos em congressos e seminários nacionais e internacionais, e dez artigos em revistas especializadas.
Os números de impacto ambiental são expressivos: com os ônibus elétricos, estima-se evitar até 61 toneladas de CO₂ por ano; com a embarcação elétrica até 100 toneladas anuais, totalizando cerca de 161 toneladas de gases de efeito estufa evitados — o equivalente à emissão anual de aproximadamente 30 carros populares.

SAIBA MAIS: A Amazônia é plural e a voz de suas populações precisa ser ouvida
Para a universidade, para a região amazônica e para o Estado do Pará, os ganhos vão além da mobilidade: trata-se de formar recursos humanos em energias renováveis e mobilidade elétrica, gerar softwares, patentes e inovação local. Como disse a professora Maria Emília Tostes, do Centro de Excelência e Eficiência Energética da Amazônia (UFPA), este é “o primeiro corredor verde de transporte de toda a região Norte”.
Para a Norte Energia, financiadora do projeto, fala-se de fomento à ciência, à sociedade e à eficiência energética, em consonância com os objetivos climáticos da COP30.
A embarcação Catamarã Poraquê, em particular, mereceu atenção detalhada: seis metros de largura, 12 m de comprimento, calado de 72 cm, construída em alumínio naval com atenção ao peso extra das baterias (uma tonelada só de baterias) e dois motores elétricos de 12 kW cada — o equivalente a um motor a combustão de cerca de 20 hp. Placas solares instaladas na cobertura fornecem parte da energia para as baterias, e um posto de recarga abaixo no píer já opera com energia solar do campus.
Há também desafios que não podem ser ignorados: implantar infraestrutura elétrica em regiões de difícil acesso; integrar todos os modais; garantir conectividade e gestão; e formar usuários e comunidades para utilizarem os novos meios. Mas o legado simbólico e prático é claro: uma rota de transporte sustentável em plena Amazônia, combinando inovação técnica, educação e meio ambiente.
À medida que a COP30 se aproxima em Belém, o Sima oferece mais do que tecnologia — simboliza a convergência entre mobilidade, clima e inclusão regional. Ele mostra que não basta falar de descarbonização: é preciso agir no território, conectar pessoas, equipamentos, energia e dados. Trata-se de desenhar um futuro em que uma universidade, uma usina, uma comunidade e uma embarcação elétrica caminhem juntas rumo à mobilidade limpa, à pesquisa aplicada e à Amazônia conectada.
Se esse projeto der certo — e tudo indica que está no caminho — ele pode servir de modelo para outras regiões amazônicas e para todo o mundo que busca transporte inteligente, verde e inclusivo.










































