A derrubada da MP 1303/2025: uma derrota mais ampla do que parece


Na noite de quarta-feira, 8 de outubro de 2025, o plenário da Câmara dos Deputados decidiu retirar de pauta a Medida Provisória 1303/2025 — proposta que criaria tributos sobre rendimentos de aplicações financeiras e apostas esportivas, além de compensar a revogação de decreto que aumentava o IOF. Com isso, a MP perdeu sua vigência automática e ficou inviabilizada para votação.

A reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi imediata e dura. Segundo ele, a decisão não representa apenas um revés do governo, mas uma derrota imposta ao povo brasileiro, pois a medida visava corrigir distorções tributárias e assegurar recursos para programas sociais. Para Lula, “impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas e contra a justiça tributária”.

O governo projetava que a MP 1303 poderia elevar a arrecadação em cerca de R$ 20,8 bilhões e reduzir despesas em mais de R$ 10 bilhões. Entre as mudanças propostas estavam a tributação de fundos de investimento, a criação de regras para ativos virtuais, transações em bolsa, empréstimos de ativos e operações de investidores estrangeiros.

Para que a medida fosse válida, seria necessário aprová-la até o fim do dia 8 de outubro, o que não ocorreu. O relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), fez várias alterações para tentar viabilizar o aval de bancadas mais resistentes, removendo, por exemplo, a tributação sobre apostas (“bets”) e sobre Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCD). Ainda assim, não obteve apoio suficiente.

Na votação que formalizou o arquivamento, 251 deputados votaram a favor da retirada de pauta e 193 foram contra. O governo acusou que parte dos partidos do chamado “centrão” e vários grupos de oposição trabalharam de modo articulado para inviabilizar a medida, por interesses político-eleitorais ou para proteger os privilégios dos mais ricos.

Foto: Wilton Junior
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Oposição comemora a derrota da cobrança de impostos para bilionários, impossibilitando o equilíbrio fiscal – foto: Lula Marques/Agência Brasil

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Os desdobramentos sob o olhar do governo

Já na manhã seguinte à derrubada, o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou que o Executivo estudará alternativas para compensar as perdas previstas. Segundo ele, o governo continuará perseguindo suas metas fiscais e sociais, mesmo sem a MP 1303. 

Haddad afirmou que irá submeter ao presidente Lula um “cardápio de soluções” para reorganizar as contas públicas. Ele ressaltou que o texto da MP tinha sido construído com várias concessões, fruto de diálogos entre Executivo e Legislativo, e que as resistências enfrentadas agora são mais de ordem política do que técnica. 

Em pronunciamentos públicos e nas redes sociais, Lula e integrantes do governo criticaram fortemente o que chamaram de sabotagem política organizada por interesses de elite. A ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) declarou que “quem votou na Câmara para derrubar a MP que taxava os super ricos votou contra o país e o povo”.

Para o governo, o cenário é claro: sem os recursos que viriam da MP, a capacidade de manter ou expandir programas sociais ficará comprometida. A derrubada foi interpretada como uma manobra para reduzir receitas e, com isso, limitar despesas com políticas públicas.

A tensão entre o social e o fiscal

Esse episódio evidencia uma crise clássica que percorre muitos governos: a tensão entre o imperativo fiscal e a vocação social. Por um lado, o Estado precisa arrecadar para cumprir metas, manter a máquina e sustentar investimentos; por outro, há demandas urgentes em saúde, educação, assistência social e redução de desigualdade.

O governo argumentava que a MP 1303 era uma forma de impor justiça tributária, ao fazer com que os que ganham mais contribuíssem mais. Na visão oficial, a medida preservava os 99 % da população — impactava majoritariamente o “1 % mais rico”. 

Mas no Parlamento esse discurso encontrou resistência. Alguns partidos e grupos políticos argumentaram que a medida penalizaria o mercado financeiro ou prejudicaria empresas financeiras e investidores. Outros disseram que o governo não deveria aumentar tributos num momento de fragilidade econômica.

Além disso, o episódio revela como acordos firmados informalmente (ou antecedentes a votações) podem ser revertidos por movimentações políticas de bastidor, ameaçando a governabilidade e a credibilidade do Executivo.

E agora? Caminhos e desafios à frente

A derrota da MP 1303 cria um vácuo de receitas que terá de ser contornado. O governo já admite contingenciamento de emendas parlamentares e cortes em gastos.

Além disso, o Executivo deverá acelerar a negociação com o Congresso para viabilizar outras medidas tributárias e buscar pactos que sustentem a execução orçamentária. Também será necessário criar consenso visível, para evitar que projetos futuros se repitam com os mesmos impasses políticos.

Do ponto de vista estratégico, este episódio serve de alerta para governos: a sustentabilidade fiscal não pode depender apenas de medidas parlamentares frágeis. É preciso uma base política forte, comunicação clara à sociedade sobre impactos e beneficiários, e mecanismos de controle que limitem manobras de última hora que podem inviabilizar decisões urgentes.