O que as NDCs 3.0 estão dizendo sobre a ação climática multilateral e inclusiva


As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) estão no cerne do Acordo de Paris e da consecução de seus objetivos de longo prazo. As NDCs representam os esforços de cada país para reduzir as emissões nacionais e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas. O Acordo de Paris, em seu Artigo 4 e parágrafo 2, exige que cada Parte prepare, comunique e mantenha contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) sucessivas que pretenda alcançar. As Partes devem adotar medidas nacionais de mitigação, com o objetivo de atingir os objetivos de tais contribuições.

NDCs

 

Planos Climáticos Nacionais: O Papel das Cidades na Ação Global

 

Com a COP30 se aproximando em Belém, a urgência de alinhar os planos climáticos nacionais com a realidade das cidades é mais premente do que nunca. A terceira rodada das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs 3.0) representa uma oportunidade crucial para os países elevarem suas ambições. O Consenso da COP28 nos Emirados Árabes Unidos, em seu parágrafo 161, instou governos nacionais a incorporarem a governança multinível em seus novos planos climáticos, visando impulsionar a ambição e acelerar a implementação. Contudo, com apenas 27 novas NDCs submetidas até junho de 2025, cobrindo meros 21% das emissões globais, a pergunta permanece: os governos estão realmente cumprindo essa promessa?

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Fonte: Sustentavel.com.br

 

Um ano decisivo para o clima

 

O ano de 2025 é um marco na trajetória da ação climática global. Não apenas é o prazo para os países apresentarem suas NDCs atualizadas, mas também celebra o décimo aniversário do Acordo de Paris. No cerne deste acordo estão as Contribuições Nacionalmente Determinadas, que materializam o compromisso de cada nação em reduzir emissões e se adaptar aos impactos climáticos.

Esses planos moldarão o progresso climático global até 2035 e, como enfatizou Simon Stiell, Secretário Executivo da ONU Mudanças Climáticas, em fevereiro, são “alguns dos documentos de política mais importantes que os governos produzirão neste século”. A data limite original para submissão era fevereiro de 2025, mas agora a maioria dos países deve entregar suas NDCs até a Assembleia Geral da ONU em setembro. Esse prazo revisado busca permitir que os países aprimorem a ambição e o alinhamento com metas de longo prazo, como alcançar emissões líquidas zero até meados do século e limitar o aumento da temperatura global abaixo de 1.5°C. No entanto, paira a dúvida: as novas NDCs realmente elevarão a ambição, ou simplesmente repetirão velhos padrões?

 

Lacunas na ambição e financiamento

 

Até junho de 2025, apenas 27 países apresentaram NDCs atualizadas, cobrindo uma fatia ínfima de 21% das emissões globais. Muitos grandes emissores, incluindo a União Europeia, Índia e China, ainda são aguardados nos próximos meses. Além disso, o resultado aquém do esperado na finança climática da COP29 complicou ainda mais a implementação. Sem um compromisso financeiro robusto para apoiar uma ambição crescente, especialmente em cidades e regiões vulneráveis, o abismo entre o planejamento e a execução corre o risco de se alargar. A instabilidade global acentuou esses desafios. A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris criou lacunas significativas no financiamento climático e na liderança política global, tornando a ação multinível local e nacional em outros países ainda mais crucial.

 

O papel crucial das áreas urbanas

 

As áreas urbanas são responsáveis por mais de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa e estão na linha de frente tanto dos impactos climáticos quanto das soluções. No entanto, apenas 27% das NDCs incluem um conteúdo urbano robusto, ou seja, ações concretas, metas e mecanismos de coordenação adaptados às cidades. Essa revelação veio do estudo “O Conteúdo Urbano das NDCs”, uma avaliação da ONU Habitat, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e da Universidade do Sul da Dinamarca (SDU), que analisou as 194 NDCs submetidas até 27 de junho de 2023. Os 73% restantes dos planos climáticos nacionais contêm níveis de integração urbana nulos, baixos ou apenas moderados. Essa lacuna enfraquece a implementação, atrasa o financiamento para soluções locais e limita o potencial de expandir a ação climática eficaz por meio das cidades.

 

Ambição em múltiplos níveis

 

O Consenso dos Emirados Árabes Unidos, adotado na COP28, enfatizou a necessidade de triplicar a capacidade de energia renovável e duplicar a eficiência energética até 2030. Mas também sinalizou uma mudança mais ampla: o reconhecimento de que a implementação deve ocorrer em todos os níveis de governo, instando as Partes a se engajarem em ações cooperativas inclusivas, multiníveis e responsivas a questões de gênero, como em outros parágrafos relevantes do Consenso, fornecendo direcionamento para a próxima rodada de NDCs. Esse espírito está intrínseco na Coalizão por Parcerias Multiníveis de Alta Ambição (CHAMP), lançada na COP28 pela Presidência dos Emirados Árabes Unidos. A CHAMP agora conta com 75 países signatários comprometidos em aprimorar a cooperação com seus governos locais, regionais e outras instâncias subnacionais – incluindo cidades, vilas, estados e regiões – para buscar coletivamente esforços no planejamento, financiamento e implementação das NDCs.

 

Brasil e outros exemplos

 

Entre os 27 países que apresentaram novas NDCs, 12 são signatários da CHAMP. Desses, apenas quatro, Brasil, Reino Unido, Canadá e Emirados Árabes Unidos, referenciam explicitamente a CHAMP em seus planos climáticos. De acordo com estatísticas da unidade de apoio C40 x GCoM CHAMP, algumas NDCs, como as do Canadá, Brasil, Quênia e Emirados Árabes Unidos, fazem referência a estruturas de governança nacional, incluindo a divisão de poderes para legislar e implementar a ação climática. O conteúdo subnacional está mais fortemente representado em seções relacionadas à adaptação ou setores específicos, como resíduos e transporte.

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Algumas NDCs, como as da Noruega e do Reino Unido, vão além, detalhando instrumentos financeiros disponíveis para apoiar a ação climática subnacional. O Brasil se destaca. Apresentada na COP29, sua nova NDC inclui uma meta ambiciosa: redução de 59% a 67% nas emissões até 2035 (em relação aos níveis de 2005). Mais importante, ela integra o “federalismo climático”, reconhecendo o papel de seus 5.570 municípios e 27 estados na consecução das metas climáticas.

“O federalismo climático é nossa resposta à necessidade de ação multinível”, disse Antonio da Costa e Silva, Conselheiro Chefe Internacional do Ministério das Cidades do Brasil, durante o SB62 e os Diálogos Daring Cities Bonn, em junho de 2025. Antes de apresentar sua NDC, Ruanda, outro país CHAMP, está conduzindo um processo de consulta em todo o país para garantir que sua NDC 3.0 reflita as prioridades urbanas e alinhe o desenvolvimento local com a resposta climática. Apoiada pela WRI, ICLEI e pelo programa UrbanShift financiado pelo GEF, a abordagem de Ruanda demonstra como os países podem transformar o compromisso em colaboração.

 

A iniciativa Town Hall COPs

 

A Iniciativa Town Hall COP da ICLEI oferece uma ferramenta poderosa para apoiar essa transformação. Esses diálogos liderados localmente são projetados para levar o espírito das negociações da COP para as comunidades, tornando o planejamento climático mais inclusivo, participativo e enraizado nas necessidades do mundo real. As Town Hall COPs já estão ocorrendo em países como Malásia, Turquia, Estados Unidos e em toda a América Latina. Ao conectar as prioridades locais com as metas nacionais, elas oferecem uma maneira escalável de cumprir os compromissos da CHAMP e engajar as comunidades na elaboração das NDCs. Mesmo em países não signatários da CHAMP, as Town Hall COPs podem ajudar as comunidades a se mobilizarem, responsabilizarem os governos e pressionarem por uma integração mais forte das realidades locais no planejamento nacional. Um exemplo líder é a África do Sul, a primeira nação a endossar formalmente a Iniciativa Town Hall COP como uma plataforma para criar planos climáticos nacionais inclusivos. Para dar vida a esse compromisso, a ICLEI e a Associação de Governos Locais da África do Sul (SALGA) firmaram parceria para sediar uma série de Town Hall COPs em todo o país.

 

Rumo a Belém: Um roteiro para a ação nacional

 

As cidades estão prontas para liderar, mas precisam de marcos nacionais que as capacitem. Sem financiamento, mandatos e coordenação, a ambição local estagna. É por isso que os governos nacionais devem agir agora. Desenvolvido pela ONU Habitat e SDU, o recém lançado guia “Aproveitando a Oportunidade Urbana: Um guia de 3 passos para fortalecer as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) 3.0” apresenta uma abordagem clara de três etapas para os governos nacionais incluírem perspectivas subnacionais em seus planos climáticos: Avaliar o estado da ação climática urbana, as lacunas de dados e os papéis institucionais. Preparar identificando oportunidades para alinhar as prioridades locais e nacionais. Co criar a NDC por meio de diálogos multiníveis e propriedade compartilhada. NDCs inclusivas urbanas não são apenas mais equitativas, são mais eficazes. Quando cidades e governos locais são envolvidos na elaboração dos planos nacionais, esses planos se tornam mais realistas, direcionados e prontos para implementação.

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Entregando a promessa?

 

Ainda não. Embora alguns países estejam liderando o caminho, a maioria das NDCs 3.0 ainda carece da profundidade de planejamento multinível e inclusivo necessária para impulsionar a transformação. Mas o roteiro é claro. As cidades estão prontas. As ferramentas existem. Os compromissos estão crescendo.

O que é necessário agora é a vontade política para conectar a ambição nacional com a ação local. Como voz das cidades, vilas e regiões, e de todas as outras entidades subnacionais nos processos da UNFCCC, a Constituency dos Governos Locais e Autoridades Municipais (LGMA), divulgou sua Carta de Visão da COP30, conclamando todos os governos locais e outras entidades subnacionais, juntamente com suas redes, a aprofundarem e expandirem seu engajamento com os governos nacionais – por meio de iniciativas como as Town Hall COPs e a CHAMP, para garantir que todas as Partes da UNFCCC adotem sua nova geração de NDCs antes de Belém.

A próxima rodada de NDCs finalmente desbloqueará todo o potencial da governança climática multinível? Com a COP30 se aproximando rapidamente, o momento de agir é agora. Para acelerar os esforços para aprimorar a colaboração multinível e os componentes urbanos das NDCs 3.0, a LGMA está iniciando uma ambiciosa agenda nos 100 dias que antecedem a COP30. Isso começa com a Semana Urbana da ASEAN, sediada por Maimunah Mohd Sharif, prefeita de Kuala Lumpur e membro do Conselho Consultivo Internacional da COP29. O governo da Malásia desempenha papéis críticos para a agenda urbana este ano, como presidente da Presidência da ASEAN em 2025 e Presidente da Assembleia da ONU Habitat até 2028.