Com 530 metros de circunferência, o Sirius, fonte de luz síncrotron de quarta geração, é a maior e a mais importante infraestrutura científica brasileira. É também um dos três únicos equipamentos de sua classe já existentes no mundo. Os outros dois localizam-se na Suécia e na França, respectivamente, enquanto países muito avançados em pesquisa, como a China, ainda estão construindo os seus. Emitida em diferentes bandas do espectro eletromagnético, do infravermelho ao raio X, a luz do Sirius penetra os mais variados materiais, possibilitando estudar sua estrutura e composição.
Situado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, e financiado com recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Sirius é uma infraestrutura aberta, que pode ser utilizada sem ônus em pesquisas científicas de interesse público ou mediante pagamento em pesquisas empresariais de interesse privado.
Para falar sobre esse equipamento, cuja gama de aplicações, já em curso ou potenciais, é enorme, a FAPESP trouxe ao seu auditório o físico Harry Westfahl Junior, diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), onde o Sirius está instalado. A “4ª Conferência FAPESP 2023: Sirius: uma nova era para a ciência brasileira com um síncrotron quarta geração”, apresentada na sexta-feira (25/10), pode ser assistida pelo canal da Agência FAPESP no YouTube.
Westfahl Júnior anunciou que está aberta a terceira chamada regular de propostas de pesquisa para as dez primeiras estações experimentais de Sirius. Pesquisadores brasileiros, da América Latina e Caribe podem submeter projetos até 6 de setembro. Os que tiverem propostas aprovadas, podem solicitar auxílio financeiro para a utilização das instalações e para a viagem a Campinas.
Além disso, exemplificou as possibilidades de utilização de cada uma das dez linhas de luz já abertas para licitações regulares ou em fase de comissionamento (outras quatro estão em construção). Os resultados vão da visualização de sítios ativos de proteínas, e de como os elétrons são transferidos deles ou para eles por processos de oxidação ou redução, ao estudo de materiais submetidos a condições extremas de temperatura, pressão ou campo magnético, que passam por isso a apresentar novas propriedades físicas ou químicas, como é o caso dos supercondutores, capazes de conduzir correntes elétricas sem resistência.
Um diferencial importante da pesquisa realizada nas linhas de luz síncrotron é que ela possibilita experimentos in situ, com a visualização das modificações produzidas na estrutura dos materiais quando estes são submetidos a diferentes parâmetros de temperatura, pressão, tensão mecânica, campos elétricos ou magnéticos, ambientes químicos diversificados etc.
Novas linhas de luz
As quatro novas linhas de luz que passam a receber propostas de pesquisa nesta chamada ampliam ainda mais as possibilidades experimentais do Sirius. De acordo Westfahl Júnior, outros tipos de experimentos poderão ser realizados, complementares aos experimentos atuais: “Na linha de luz Cedro, abriremos novas possibilidades de experimento para pesquisa em biofísica, enquanto na linha Sabiá teremos mais possibilidades para desvendar mecanismos que conferem propriedades magnéticas aos materiais. Já a Mogno, linha de luz de maior energia do Sirius, abrirá capacidades sem precedentes em tomografia de raios X, beneficiando diversas áreas do conhecimento. E a linha Paineira ampliará a nossa capacidade de cristalografia e abrirá possibilidades para mineralogia de solos e para investigação da estrutura atômica de catalisadores em tempo real”.
Além disso, a linha de luz Ipê, que já está aberta para pesquisas, passa a oferecer uma nova técnica, de espalhamento ressonante inelástico de raios X (RIXS). “Trata-se de uma técnica disponível em poucos síncrotrons no mundo, que permite elucidar como os elétrons se organizam para conferir propriedades desde centros catalíticos em biomoléculas até a formação de estados exóticos da matéria, como em materiais supercondutores”, explicou.
Acelerador de partículas
O Sirius é, fundamentalmente, um acelerador de partículas. E Westfahl Júnior explicou a diferença entre ele e outros aceleradores, como o gigantesco Large Hadron Collider (LHC), instalado na fronteira franco-suíça. No LHC, dois feixes de hádrons (principalmente prótons) deslocam-se pelo equipamento em sentidos contrários. E, depois de acelerados por campos magnéticos até patamares altíssimos de energia, são levados a colidir um com o outro. A cascata de partículas formadas informa sobre as configurações da matéria que podem existir nesses patamares de energia, validando ou aprimorando esquemas teóricos como o Modelo Padrão e permitindo reconstituir situações que teriam ocorrido no universo primordial. Já o acelerador síncrotron é outra coisa.
“O objetivo dele não é fazer colisão. Mas acelerar elétrons praticamente até a velocidade da luz para produzir radiação eletromagnética. Quando acelerados, os elétrons emitem fótons, que são guiados pelo instrumento até as chamadas linhas de luz”, disse.
A radiação é filtrada em diferentes comprimentos de onda e levada a incidir sobre amostras de interesse. Dependendo do comprimento de onda e da amostra, a radiação pode ser absorvida ou não pelo material, desvelando a sua estrutura e composição. “A luz visível tem energia da ordem de 2 elétron-volts. Mas o Sirius produz radiação que vai de valores muito menores do que um elétron-volt até muito maiores do que milhares de elétron-volts”, informou o pesquisador.
As baixas energias, na banda do infravermelho, possibilitam identificar as “assinaturas” das ligações químicas. Energias pouco superiores à da luz visível permitem investigar como os elétrons estão arranjados nos materiais. E energias muito maiores do que milhares de elétron-volts, principalmente na faixa dos raios X, abrem janelas para uma grande variedade de experimentos.
Toda a tecnologia é mobilizada para condensar os elétrons e produzir os menores feixes possíveis, de forma a viabilizar o mapeamento da matéria em escala nanométrica. “Nos aceleradores síncrotron de quarta geração, o tamanho do feixe é bem menor do que o das gerações anteriores. E, nele, a fração coerente é bem maior. Explorar essa coerência é o que nos dá tantas possibilidades novas. Outro aspecto importante é que não basta produzir um feixe de elétrons pequeno; é preciso também que esse feixe seja estável, para poder circular pelo acelerador o dia todo, a semana inteira, não variando mais do que algumas centenas de nanômetros”, destacou Westfahl Júnior.
Um exemplo de cooperação
O conjunto da exposição de Westfahl Júnior e a sessão de perguntas e respostas forneceram uma gama extremamente variada de informações sobre o Sirius, da física da radiação síncrotron ao perfil dos pesquisadores e técnicos engajados no equipamento, dos valores do financiamento às condições para a submissão de propostas de utilização, da abertura para equipes estrangeiras ao capital diplomático que essa infraestrutura de pesquisa proporciona ao país.
A conferência foi aberta pelo diretor-presidente da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, que destacou o papel dos pioneiros na construção do primeiro acelerador síncrotron do país e a contribuição da indústria nacional na fabricação dos componentes. E foi moderada por Oswaldo Baffa Filho, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Presente na plateia, o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, atribuiu o êxito do projeto a um exemplo raro de cooperação entre a comunidade científica, as empresas privadas e o governo.
Informações muito detalhadas sobre o Sirius podem ser obtidas no portal do CNPEM.
Mais informações sobre este e outros eventos da série “Conferências FAPESP 2023” estão disponíveis em: fapesp.br/conferencias2023.