Pesca ilegal de atuns ameaça 52 espécies marinhas no Nordeste


Fiscalização no mar revela dimensão da pesca ilegal no Nordeste

A costa do Rio Grande do Norte tornou-se, nas últimas semanas, palco de uma ampla operação de fiscalização ambiental que escancarou os impactos da pesca ilegal de atuns e de espécies associadas a essa atividade. Batizada de Operação Tuna, a ação foi conduzida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e teve como foco principal o aproveitamento irregular de espécies ameaçadas de extinção capturadas de forma incidental durante a pescaria de atuns.

Foto: divulgação/Ibama

O resultado parcial da operação é expressivo: mais de 2,3 toneladas de pescado apreendidas, aplicação de multas que já ultrapassam R$ 122 mil e a identificação de um conjunto de práticas que colocam em risco a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos. Mais do que números, a fiscalização revelou um problema estrutural, que envolve desde a captura até a construção irregular de embarcações, passando pelo comércio de pescado sem comprovação de origem.

A pesca de atuns, altamente valorizada no mercado nacional e internacional, funciona como eixo central de uma cadeia que impacta pelo menos 52 espécies marinhas, muitas delas protegidas por acordos e normas ambientais.

Espécies ameaçadas e a captura que vai além do atum

Embora o atum seja o alvo principal das embarcações autorizadas, a operação demonstrou que a atividade afeta uma diversidade muito maior de organismos marinhos. Entre as espécies ameaçadas encontradas durante as fiscalizações estão o agulhão-branco, o agulhão-negro, o atum-azul e nada menos que 36 espécies de tubarões, além de aves marinhas e tartarugas.

Também foram apreendidos corais, estrelas-do-mar e moluscos, evidenciando que a pesca irregular não se limita à captura incidental, mas se estende ao aproveitamento comercial de espécies cuja coleta e venda são expressamente proibidas. Em alguns casos, esses organismos são retirados do ambiente marinho para fins ornamentais ou turísticos, ampliando ainda mais a pressão sobre ecossistemas já vulneráveis.

Segundo o Ibama, o aproveitamento de espécies ameaçadas só é permitido quando há autorização específica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o que não ocorreu nas situações identificadas. O comércio de atum sem origem comprovada também apareceu como uma das infrações mais recorrentes, dificultando qualquer rastreabilidade da cadeia produtiva e abrindo espaço para a pesca predatória.

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Foto: divulgação/Ibama

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Embarcações irregulares e o aumento do esforço de pesca

Outro ponto crítico revelado pela Operação Tuna foi a existência de estaleiros operando sem licença ambiental e construindo embarcações de pesca sem a devida Permissão Prévia de Pesca. Essas estruturas foram localizadas no litoral norte potiguar e tiveram suas atividades suspensas após autuação.

A construção irregular de barcos não é um detalhe administrativo: ela representa um fator direto de aumento do esforço de pesca. Quanto mais embarcações entram em operação fora de qualquer controle, maior é a pressão sobre os estoques pesqueiros, especialmente em um contexto em que a pesca industrial e artesanal já disputa recursos cada vez mais escassos.

Dados do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) indicam que cerca de 1.950 embarcações possuem autorização para a pesca de atuns na região Nordeste. Esse número, por si só, já exige um sistema robusto de monitoramento. A presença de barcos clandestinos agrava o cenário, tornando o controle praticamente inviável sem ações contínuas de fiscalização.

Durante a operação, também foram identificadas outras infrações ambientais, como a venda de ova de curimatã em período de piracema, o comércio de lagosta durante o defeso e a venda de espécies marinhas sem autorização do órgão ambiental competente. Cada uma dessas práticas contribui para a ruptura dos ciclos reprodutivos e para o declínio populacional das espécies afetadas.

Compromissos internacionais e o desafio da conservação marinha

A pesca de atuns no Atlântico é regulada pela Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns e Afins no Atlântico (ICCAT), da qual o Brasil é signatário. Como membro da comissão, o país assume o compromisso de adotar medidas de controle, monitoramento e fiscalização capazes de garantir a conservação dos estoques pesqueiros e o uso sustentável dos recursos marinhos.

Nesse contexto, operações como a Tuna cumprem um papel estratégico não apenas no plano nacional, mas também no cumprimento de obrigações internacionais. A captura indiscriminada de espécies ameaçadas e a ausência de rastreabilidade comprometem a credibilidade do país e fragilizam os esforços globais de conservação dos oceanos.

Todo o pescado apreendido durante a operação foi destinado a entidades beneficentes, militares e hospitalares, evitando o desperdício e garantindo um uso socialmente responsável do material confiscado. Ainda assim, o Ibama ressalta que a doação não neutraliza os danos ambientais causados pela pesca ilegal, que afeta ecossistemas complexos e de recuperação lenta.

A Operação Tuna evidencia que o combate à pesca predatória exige mais do que ações pontuais. Ele demanda políticas públicas integradas, fortalecimento da fiscalização, rastreabilidade da cadeia produtiva e conscientização do mercado consumidor. Proteger os oceanos, nesse cenário, não é apenas uma questão ambiental, mas uma escolha estratégica para garantir segurança alimentar, equilíbrio ecológico e soberania sobre os recursos naturais brasileiros.