A humanidade já se acostumou a ouvir histórias sobre colapsos ambientais, mas a recuperação da camada de ozônio oferece uma rara exceção: um caso de sucesso coletivo. O mais recente relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que, em 2024, o buraco sobre a Antártida encolheu e atingiu seu menor tamanho dos últimos anos. A previsão é otimista: a camada deve se recompor totalmente até 2066.

Esse avanço só foi possível porque, nas décadas de 1980 e 1990, governos reagiram rapidamente ao alerta da ciência. A descoberta de que os clorofluorcarbonetos (CFCs) estavam destruindo a ozonosfera mobilizou a opinião pública e impulsionou um pacto global sem precedentes: o Protocolo de Montreal de 1987, um acordo internacional que determinou a eliminação gradual das substâncias responsáveis por corroer essa barreira invisível.
A camada que protege a vida
A camada de ozônio está localizada entre 15 e 30 quilômetros acima da superfície terrestre, na estratosfera. Embora sua espessura seja equivalente a uma folha de papel — em torno de três milímetros —, ela cumpre uma missão vital: filtrar a radiação ultravioleta (UV) do Sol. Sem essa proteção, o planeta enfrentaria uma escalada de doenças de pele, catarata, enfraquecimento do sistema imunológico, queda na produtividade agrícola e desequilíbrios nas cadeias alimentares marinhas.
Nos anos 1980, quando os cientistas demonstraram que os CFCs liberavam cloro na estratosfera e destruíam moléculas de ozônio, ficou claro que o planeta corria sério risco. A destruição da camada era mais intensa sobre a Antártida, devido às baixas temperaturas que aceleravam as reações químicas.

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A resposta global
O Protocolo de Montreal tornou-se referência em governança ambiental. Desde sua adoção, 99% das substâncias que destroem a camada de ozônio foram eliminadas gradualmente do mercado. Graças a essa ação, estima-se que ao menos 2 milhões de casos de câncer de pele tenham sido evitados. O então secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou em 2022 que o pacto impediu uma “catástrofe de saúde global”.
Esse acordo não apenas freou a destruição da camada de ozônio como também teve efeitos colaterais positivos para o clima. Muitas substâncias proibidas, além de atacar a ozonosfera, são potentes gases de efeito estufa. Pesquisas publicadas na revista Nature em 2021 calculam que, sem o Protocolo, o planeta poderia ter aquecido até 2,5 ºC adicionais até o final deste século.
Entre 1990 e 2010, o tratado evitou emissões equivalentes a 135 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Também preservou a capacidade das florestas e solos de armazenarem carbono, evitando uma perda estimada em 580 bilhões de toneladas.
O problema ainda não acabou
Apesar das vitórias, a ozonosfera continua vulnerável. O buraco sobre a Antártida surge todos os anos, variando em extensão conforme condições climáticas e circulatórias na estratosfera. Em 2023, por exemplo, ele alcançou 26 milhões de quilômetros quadrados, três vezes o tamanho do Brasil. Cientistas sugerem que esse pico pode ter sido influenciado pela erupção vulcânica no sul do Pacífico em 2022 e pelo resfriamento da alta estratosfera provocado pelas mudanças climáticas.
Essas oscilações são consideradas anomalias dentro de uma tendência de recuperação. A expectativa científica é que os níveis médios globais de ozônio retornem aos patamares de 1980 por volta de 2040, no Ártico até 2045 e, na Antártida, apenas em 2066.
Lições para a crise climática
O êxito do Protocolo de Montreal inspira esperança no combate ao aquecimento global. A velocidade e a escala da cooperação internacional mostraram que, diante de uma ameaça existencial, governos podem agir em conjunto. O tratado foi reforçado em 2016 pela Emenda de Kigali, que determinou a eliminação gradual dos hidrofluorcarbonetos (HFCs), substâncias que, embora não prejudiquem a camada de ozônio, contribuem intensamente para o efeito estufa.
No entanto, novos desafios emergem. Um relatório da ONU em 2023 advertiu que tecnologias de geoengenharia, como a injeção de aerossóis na estratosfera para refletir a luz solar, podem alterar a dinâmica atmosférica e comprometer a camada de ozônio.
A trajetória da ozonosfera é um lembrete de que soluções ambientais são possíveis quando ciência, política e sociedade convergem. A camada ainda se recupera lentamente, mas o pior foi evitado. No mundo atual, marcado pela urgência climática, a história da recuperação da camada de ozônio funciona como farol: mostra que, diante de ameaças globais, a cooperação internacional é não apenas necessária, mas eficaz.










































