No coração das florestas tropicais brasileiras, entre sombras densas e o solo coberto de folhas, dois roedores discretos desempenham um papel vital para a regeneração da natureza: a paca e a cutia. Apesar de pouca gente saber, elas são verdadeiras jardineiras naturais — e sem o trabalho delas, muitas árvores simplesmente não nasceriam. Com comportamentos instintivos e hábitos alimentares curiosos, esses animais ajudam a manter o equilíbrio ecológico e a diversidade das florestas tropicais.
O papel da paca na dispersão de sementes
A paca, com seu corpo robusto, pelagem marrom e pintas brancas características, é um roedor noturno que prefere a tranquilidade das matas fechadas. Alimenta-se principalmente de frutas caídas, raízes e sementes — e é exatamente aí que começa seu trabalho como jardineira da floresta.
Ao comer frutas inteiras, a paca frequentemente ingere sementes grandes, como as do jatobá, do abiu e do jenipapo. Muitas dessas sementes passam intactas pelo seu sistema digestivo e são eliminadas longe da planta-mãe. Esse deslocamento permite que novas árvores cresçam em locais diferentes, evitando a competição direta entre mãe e filhote vegetal.
Além disso, ao escolher locais protegidos para defecar, como tocas e áreas cobertas, a paca ajuda a semear em pontos com maior chance de germinação. Algumas sementes, inclusive, só germinam após passarem pelo trato digestivo desse animal, num exemplo fascinante de coevolução entre planta e roedor.
A cutia e seu hábito de enterrar sementes
Enquanto a paca se destaca pelo transporte passivo de sementes, a cutia é ativa, meticulosa e estratégica. Esse roedor de porte médio, com corpo ágil e pelagem dourada ou avermelhada, tem o curioso hábito de enterrar sementes para consumo futuro — comportamento conhecido como “cacheamento”.
Durante os períodos de abundância de frutos, a cutia cava buracos no solo e enterra sementes grandes, como as da castanha-do-pará, da sapucaia e do tucumã. Muitas dessas sementes nunca são resgatadas, seja porque o animal esqueceu ou morreu antes de voltar. Isso faz com que essas sementes enterradas encontrem condições ideais para germinar, pois estão protegidas da luz, do ressecamento e da predação.
Esse instinto de armazenar alimento é essencial para a sobrevivência da cutia, mas também transforma o animal em um dos mais importantes plantadores naturais da floresta. Estima-se que ela seja responsável por dispersar eficientemente dezenas de espécies arbóreas.
A dupla ecológica perfeita
Juntas, paca e cutia formam uma dupla imbatível na manutenção da biodiversidade florestal. A primeira atua principalmente com sementes de tamanho médio, enquanto a segunda é especializada nas maiores, que poucos animais conseguem manipular. Além disso, ambas ajudam a levar as sementes para locais afastados da planta original — um fator determinante para a expansão territorial das espécies.
Esse serviço ecológico é tão essencial que, em algumas regiões onde a caça e o desmatamento reduziram drasticamente a população desses roedores, observou-se uma queda significativa na regeneração de árvores de grande porte. Ou seja: sem as jardineiras naturais, a floresta perde força para se renovar.
Impactos da caça e da destruição de habitat
Infelizmente, tanto a paca quanto a cutia enfrentam ameaças crescentes. A caça predatória e a fragmentação das matas têm reduzido suas populações, especialmente em áreas próximas a centros urbanos ou com expansão agropecuária.
A paca é muito visada por sua carne considerada saborosa, e a cutia, embora menos caçada, sofre com a perda de habitat. Isso compromete diretamente o equilíbrio ecológico, já que a ausência desses animais afeta toda a cadeia de regeneração natural das florestas.
Por isso, a preservação desses roedores é mais do que uma questão de compaixão com a fauna — é uma estratégia inteligente de conservação ambiental. Mantê-los vivos e em número suficiente garante que as florestas continuem a se autorregenerar, mesmo sem intervenção humana.
O que podemos aprender com elas
Observar o comportamento da paca e da cutia nos mostra como a natureza é feita de interdependência. Mesmo os animais mais silenciosos e escondidos podem ter papéis grandiosos, que garantem o futuro das florestas e o equilíbrio dos ecossistemas.
A natureza trabalha em redes de colaboração, e a presença de jardineiras como a paca e a cutia é prova viva disso. Ao protegê-las, estamos ajudando a preservar não só as espécies, mas a própria floresta como um organismo vivo e resiliente.
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